quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

the room

Não há nada de tão belo em estar sozinha esta noite,
Porém também não há nada de errado por vir.
Sinto que esse é o meu lugar agora:
Não esse quarto solidificado que construí
Mas esse aqui dentro que só eu posso ver
Que só eu consigo entrar e tocar a fundo
Meus erros, meus borrões, minhas permissões.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Poema nomeado - À minha doce Lan.

Não sei muito bem o que é o amor, me intriga as pessoas que absolutizaram o amor. Talvez, num ímpeto de resposta eu diria que ele se faz presente tanto quanto o ar que me põe viva: não o vejo, pouco o percebo, sinto quando me atento e me move sem que eu queira.
Mas quando o amor ganha rosto e partículas tão únicas, sinto como se fosse respirar por uma daquelas máscaras de mergulho, é preciso aprender a respirar, não puxar o ar pelas narinas, tudo agora se faz com a boca, é preciso canalizar sua atenção e aí então, com calma e uma dose de coragem é possível respirar em baixo d'água. E aí então é possível amar sem sufocar a si e a doçura que hoje me dilata as pupilas.
Nunca fiz poema com nome de amor que aqui existisse, não sei exatamente o motivo, arrisco dizer que é porque é mais fácil lidar com o subentendido, ainda mais quando, no mergulho, a tempestade te surpreende.
Eu nunca tive medo de chuva, nem mesmo de trovões ou relâmpagos, mas a Lana tem, e se a tempestade nos pegar no meio do caminho sem que haja abrigo por perto, eu preciso que ela saiba que eu a abraçarei até que meu peito e meus braços desajustados se tornem casulo impermeável a dor. Mas ainda assim, preciso que ela saiba que não posso protegê-las das gotas de chuva, da água que escorre e penetra qualquer vão entre os sólidos.
E sobre o amor, sobre mim mesma e sobre a Lana, eu percorro um caminho turvo, de tantos estímulos que sinto me desintegrando por alguns momentos, e num susto que antecede a certeza boa da reintegração, eu volto amando mais o amor, a mim mesma e a Lana. E se eu soubesse desenhar em traços fidedignos o que meus olhos veem quando fixam os dela - aquele caminho castanho, meio amarelado num círculo assimétrico e catastrófico -, e se eu pudesse descrever a saliência desconcertante de seus lábios avermelhados, ou a textura mansa de seu corpo que exala fortaleza inata, seria tão mais fácil entender o que eu digo sobre a inexatidão do amor.
E é assim que eu a amo, na imprecisão, na assimetria, logo ela que sem encanta com as perfeições geométricas, logo ela, que põe a carteira sempre no mesmo bolso da calça, assim como as chaves de casa, o cigarro e o isqueiro. E é assim que ela me ama, na controvérsia de quem pouco amou mas pouco se livrou das feridas da alma, ainda que em tenra idade, ainda que na bagunça de um passado que me atormenta, na dor das minhas feridas que nunca se fecharam, nas profundezas de um oceano onde de nada servem as máscaras de mergulho, onde só se entra de olhos fechados e só se mapeia os caminhos tateando delicadamente a brutalidade da reatividade.
E se eu pudesse dar-lhe algo, além de uma poesia nomeada, eu lhe daria pulsão de vida, porque me atormenta vê-la falando da vontade quase intrínseca de desistir, como ela mesma diz "de acabar com tudo", porque quando eu deito minha cabeça sob o peito dela e sinto seu coração batendo eu agradeço por todo o funcionamento de seus órgãos e peço que ainda pulse, que tudo pulse, que pulse por toda sua extensão pra que um dia ela possa pulsar na alma a certeza de que viver é arriscar, e arriscar é inebriante, e muitas vezes dói. Não é preciso ter pressa pra fugir da dor, mas na penumbra do meu quarto, que se faz hoje um tanto dela, eu peço em silêncio que doa cada vez menos.
As coisas simples aqui nos tomam o fôlego, ela sabe : os corpos entrelaçados embaixo da coberta, a respiração sincronizada, o carinho ainda em reconhecimento, o sol da manhã invadindo o quarto e iluminando os corpos que se amaram num madrugada suspensa no tempo.
E não fujo da morbidade, ela está aqui, nos rodeando, sem nenhuma romantização, mas como diz a música que ela escolheu pra lembrar de nós e dos nossos banhos demorados:  ''So let's love, love fully, love loud, love now, 'cause soon enough we'll die".

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

À minha avó, Cida.

Andei lutando contra a medicação hipnótica, era certo não querer dormir dopada todos os dias, mas não consigo dormir comigo mesma uma noite sequer sem que minhas tormentas tomem conta de mim e me alaguem a cama e eu acorde várias vezes durante a madrugada com os pés úmidos e frios.
Eu sinto meu corpo tremer ao som das memórias distorcidas que invadem minha mente inquietante. As memórias são infinitas! Logo eu que sempre tive tanta dificuldade em lidar com esses termos improcessáveis a mente humana: a ausência e a presenta em estado permanente. O mais próximo que posso chegar antes que eu mesma me desminta é que infinito é isso: presença e ausência em densa e profunda profusão.
Quando eu estou dopada, o mundo fica em outro estado, ou talvez eu é que fique, does'nt matter, pois  é íncrivel como o  desencaixe entre mim e o mundo me torna mais levitante e tudo faz mais sentido: eu não sinto mais onde eu deveria sentir, eu só deixo a cabeça pender, de lá pra cá.
Há exatos três anos minha avó morreu, e tenho certeza de que ela morreu uma porção de vezes enquanto estava viva, enquanto dizia à mim que queria ter sido professora, ou como adorava suas pérolas falsificadas, de nada elaborado eram seus esconderijos e suas fantasias, ela punha a chave de casa no sutiã, ali ninguém mexeria e ela também não perderia. Ainda posso ouvir o barulho do portão se abrindo, era arrastado e pesado e tínhamos que pender o corpo para um dos lados, sempre.
Logo ali, por volta dos meus dez anos quando fomos embora da casa dela ela começou a morrer. Definhou não tão lentamente quando aos meus quatorze ela teve que ir morar em outra cidade, solitária e contrariada. Não havia muito que podíamos fazer, não é vovó? E hoje eu sinto muito por tê-la deixado ir. Ela perdeu sua casa, e eu perdi as paredes que seguraria o que hoje eu guardo na lembrança, sem chão, sem suportes, sem teto, e assim, fica tudo solto aqui dentro.
A cabeça dela não aguentou a dor da solidão, das vivências e das cicatrizes tão mal cicatrizadas, a cabeça dela não aguentou uma vida inteira de fuligem do fogão, do cansaço da força bruta, e de ter perdido as flores que ainda brotavam no quintal. Eu lembro como se fosse hoje do quintal e das plantações de morango.
Pois vovó se fez em degeneração pouco depois de ir embora da cidade, e começou a ir embora de nós, fechou-se em seu mundo, que daqui, numa breve suposição, eu diria, ser esse, um mundo acalentado pela fuga e insustentável pela solidão. Das piadas e risadas pra aguentar o fardo logo surgem as primeiras reais preocupações: vovó não é pessoa pra esse mundo, agora usa fralda, fala coisas sem sentido e não reconhece seus amores. Ela cai, ela se machuca e não consegue pedir ajuda, ela quis a vida toda morrer em sua casa, cercada daqueles que amava, e morreu sozinha de conhecidos, no chão de um quarto recém alugado. Parada cardio respiratória. Simples assim.
Talvez ela, e só ela, dessa vez possa me dizer do que é composto o infinito, como o calculamos e quanto medo ele realmente dá.
Só depois que a enterramos, depois de passado todo o choque inicial é que começamos a arrumar suas coisas, e lá estava o clonazepam de 2 mg, que eu nunca a vi tomando, mas sei que ela tomou até seu último dia de vida. Tento ainda não passar do 1 mg, mas aos vinte e seis anos já me parece difícil não pedir um pouco mais, suponho que aos setenta e tanto também lhe parecesse.
No dia primeiro de janeiro do ano de 2014 ela sorriu pra mim e então eu pude reconhecê-la pela primeira vez depois que a doença tomou conta, ela sorriu e disse palavras que eu, em falsa sanidade, não entendi. Talvez ela falasse de amor, ou apenas de alguma plantinha que ela podia ver através da janela.
Há quem acredite que ela ainda fale comigo, por sonhos, telepatia, energia ou qualquer uma desses canais que a ciência caçoa, mas não me importa, o que eu tenho certeza é que eu ainda falo com ela, e digo todas as vezes que posso, que na geração que me fez tua neta, eu honrarei nossa genealogia matriarcal.