Não sei muito bem o que é o amor, me intriga as pessoas que absolutizaram o amor. Talvez, num ímpeto de resposta eu diria que ele se faz presente tanto quanto o ar que me põe viva: não o vejo, pouco o percebo, sinto quando me atento e me move sem que eu queira.
Mas quando o amor ganha rosto e partículas tão únicas, sinto como se fosse respirar por uma daquelas máscaras de mergulho, é preciso aprender a respirar, não puxar o ar pelas narinas, tudo agora se faz com a boca, é preciso canalizar sua atenção e aí então, com calma e uma dose de coragem é possível respirar em baixo d'água. E aí então é possível amar sem sufocar a si e a doçura que hoje me dilata as pupilas.
Nunca fiz poema com nome de amor que aqui existisse, não sei exatamente o motivo, arrisco dizer que é porque é mais fácil lidar com o subentendido, ainda mais quando, no mergulho, a tempestade te surpreende.
Eu nunca tive medo de chuva, nem mesmo de trovões ou relâmpagos, mas a Lana tem, e se a tempestade nos pegar no meio do caminho sem que haja abrigo por perto, eu preciso que ela saiba que eu a abraçarei até que meu peito e meus braços desajustados se tornem casulo impermeável a dor. Mas ainda assim, preciso que ela saiba que não posso protegê-las das gotas de chuva, da água que escorre e penetra qualquer vão entre os sólidos.
E sobre o amor, sobre mim mesma e sobre a Lana, eu percorro um caminho turvo, de tantos estímulos que sinto me desintegrando por alguns momentos, e num susto que antecede a certeza boa da reintegração, eu volto amando mais o amor, a mim mesma e a Lana. E se eu soubesse desenhar em traços fidedignos o que meus olhos veem quando fixam os dela - aquele caminho castanho, meio amarelado num círculo assimétrico e catastrófico -, e se eu pudesse descrever a saliência desconcertante de seus lábios avermelhados, ou a textura mansa de seu corpo que exala fortaleza inata, seria tão mais fácil entender o que eu digo sobre a inexatidão do amor.
E é assim que eu a amo, na imprecisão, na assimetria, logo ela que sem encanta com as perfeições geométricas, logo ela, que põe a carteira sempre no mesmo bolso da calça, assim como as chaves de casa, o cigarro e o isqueiro. E é assim que ela me ama, na controvérsia de quem pouco amou mas pouco se livrou das feridas da alma, ainda que em tenra idade, ainda que na bagunça de um passado que me atormenta, na dor das minhas feridas que nunca se fecharam, nas profundezas de um oceano onde de nada servem as máscaras de mergulho, onde só se entra de olhos fechados e só se mapeia os caminhos tateando delicadamente a brutalidade da reatividade.
E se eu pudesse dar-lhe algo, além de uma poesia nomeada, eu lhe daria pulsão de vida, porque me atormenta vê-la falando da vontade quase intrínseca de desistir, como ela mesma diz "de acabar com tudo", porque quando eu deito minha cabeça sob o peito dela e sinto seu coração batendo eu agradeço por todo o funcionamento de seus órgãos e peço que ainda pulse, que tudo pulse, que pulse por toda sua extensão pra que um dia ela possa pulsar na alma a certeza de que viver é arriscar, e arriscar é inebriante, e muitas vezes dói. Não é preciso ter pressa pra fugir da dor, mas na penumbra do meu quarto, que se faz hoje um tanto dela, eu peço em silêncio que doa cada vez menos.
As coisas simples aqui nos tomam o fôlego, ela sabe : os corpos entrelaçados embaixo da coberta, a respiração sincronizada, o carinho ainda em reconhecimento, o sol da manhã invadindo o quarto e iluminando os corpos que se amaram num madrugada suspensa no tempo.
E não fujo da morbidade, ela está aqui, nos rodeando, sem nenhuma romantização, mas como diz a música que ela escolheu pra lembrar de nós e dos nossos banhos demorados: ''So let's love, love fully, love loud, love now, 'cause soon enough we'll die".
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