A gente falou poucas vezes sobre o depois. Lembro da primeira vez que balbucilhamos algo do tipo; eu deitada na sua cama, ambas olhavamos pro teto, o remédio já corria em minhas veias, o teto parecia alto demais e acho que as palavras só causaram mais transtorno quando falamos, bem mais pra frente, sobre a nossa casa. ''A palavra namoro é pesada demais pra você?'' Sei que era, sei que era novo e grande demais, mas não lembro das tuas palavras. A sensação de conforto que me trazia quando eu dormia contigo era o suficiente pra acreditar em tudo que nos rodeava. Assim como o medo, my dear. Suas mãos me buscando no cair da madrugada, meus olhos delineando sua silhueta nas noites de insônia, meu amor transbordando, escorrendo por minhas coxas.
Se tem algo que nunca sairá das minha corrente sanguínea além das toxinas farmacológicas é o amor que sinto por você, e que talvez um dia eu conjugarei no passado.
Eu tenho inúmeras lembranças da avenida paulista, meu primeiro amor se fez nos bares por aqui. A riqueza calculada em bilhões, os turistas mal informados - aliás, quem pode querer conhecer São Paulo? - num andar deslumbrado a fotografar tudo, como um cartão postal.
Fazia frio quando te vi pela primeira vez, a fumaça que saia da sua boca instigante não era só da baixa temperatura, e ainda não é, e olha que estamos vivendo o carnaval dos trópicos. Fevereiro, honey, fevereiro.
Me agrada a sonoridade dos carinhos em inglês: talvez, dialogando com o poema da poeta portuguesa, seja mais fácil qualquer coisa numa língua estrangeira.
Minha cabeça não está um turbilhão como eu sempre digo, agora é quebra-mar, bate com força nas pedras porque tem que ser, porque assim é, porque sim e ponto. Os respingos d'água salgada é alivio pros pés que até então queimavam no asfalto.
Ah, como eu odeio o asfalto! Como eu odeio essa sensação da despedida escolhida. Como me irrita minha coleção de indagações, não duvido que à você também.
Eu sinto fome, e não é de comida, e não é de doce, não é de corpo, não é de mãos, nem de pão na chapa do café da manhã...Eu sinto fome de mim.
Busco incessantemente por mim e não lembro onde me perdi, a verdade é que quis crer que me encontraria nos teus olhos castanhos, escrever que não me encontrei neles ou em qualquer outro é continuar, e já sinto minhas pernas tão cansada.
Eu queria olhar a cidade contigo numa roda gigante. Quando a dor passar, você vem comigo?
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017
Roda gigante
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017
dificuldade
foi o que eu disse a ela essa noite
o dia se arrastou dentro de mim
quase pro fim distraí com meu irmão
falamos sobre música, minhas, dele
só ficamos sentados no sofá da sala
e ali eu senti saudades de nós
e ali eu senti uma saudade calada
da minha história toda da minha pele
está ficando muito difícil, amor
mas eu nunca te falei realmente
sobre dificuldades agudas
minha terapeuta falou sobre
minha associação quase cronica
e fundida de dor e prazer
tenho dificuldade de entender
onde começa um e termina outra
tantas vezes essa diferença é oca
se acho que falo demais é por repetição
falo do que está da metade pra superfície
da metade pra baixo é fenda no meu tempo
é ali que realmente mora a dificuldade
e nessa fenda só uma mulher entrou
ficou e desintegrou por lá.
terça-feira, 14 de fevereiro de 2017
Nome próprio de meu
Escreva Rafaela, escreva, escreva!
A palavra e o nome próprio se fundem,
E não há outro motivo pra escrever que não seja pra dominar o transtorno que transpassa o corpo em todas as suas dimensões.
Dissolução d'alma a gente faz com arruda, assim aprendi na minha própria macumba. E quando cai em prantos exú me disse p'reu olhar no espelho e amar o que eu vir. Tenho evitado o reflexo e exagerado na reflexão.
Para o pensamento Rafaela, para o pensamento, o pensamento!
A palavra e o nome próprio, próprio de meu, que só falo e escrevo pra preencher formulário.
Essa noite me revirei na cama, tem hora que não tem remédio que dissolva a crosta da carne e na madrugada o teto para tudo, nada de amparo, mesmo que se peça de joelhos. Aprendi que amor de pele estaciona na pele, e poesia calada se consolida no anonimato.
Vai pro mato, Rafaela, vai pro mato!
Fertiliza a palavra e o nome próprio.
Cria tua mãe e tua filha, tira esse broto do esgoto e corre pros braços da calmaria.
terça-feira, 7 de fevereiro de 2017
O chá de hortelã...com camomila
Na verdade eu o fiz, mas com um pouco de hortelã. Hortelã me lembra minha avó, camomila me lembra todas as vezes que minha cabeça pesava como agora: é preciso manter tudo no lugar.
Talvez eu seja dessas que faz sempre uma tempestade em copo d'água, talvez daqui umas décadas essa expressão não faça sentido pras novas gerações, porque é sempre assim. O tempo passa, as coisas ao nosso redor mudam sem que a gente consiga realmente perceber, é minucioso e em algum momento da rotação da terra, puft: fez-se presente!
Eu te disse que preciso de um tempo, eu não sei exatamente o que isso quer dizer, mas é isso que a gente diz quando o coração está tão apertado, quando seu antídoto em doses excessivas se mostra ser seu veneno. Pode ser que um chá de camomila com hortelã dilua o amargor de se ver sem ter onde se escorar, quando a parede de drywall tenha quase se parecido com aquelas feitas de tijolo.
A verdade é uma grande ilusão, meu amor, e as referências podem ser muitas ou nenhuma, mas ainda assim eu estou aqui, te mostrando a cada passo e palavra espontânea como podemos ser honestas.
Os teus olhos são dos mais bonitos que já pude mergulhar, mas como de costume nos meus vinte e seis anos, eu não sei se era corpo que carrega sangue e ossos imerso nessas águas ou só um sonho daqueles que a gente confunde com realidade, onde o suor é tanto que quase acreditamos ter saído das profundezas de algum oceano.
O meu amor é teu, mas minha confiança eu seguro contra o peito como criança que tira o brinquedo da roda quando não pode brincar. E talvez, na repetição aguda da palavra, talvez, eu não consiga mais dividi-la com ninguém. É que eu cansei de brincar.