quarta-feira, 28 de setembro de 2016
Deixa a menina ir
com a fumaça do cigarro da manhã
com a brisa que balança a janela
deixa a menina ir
com os passos acelerados da cidade
com os pássaros migrantes
deixa a menina ir
com o tique taque incessante das horas
com o amadurecer das amoras
deixa a menina ir
sem segurar nada que não precise
sem amargor no céu da boca
deixa a menina ir
mesmo que fique por perto
de olhos abertos e saudosos
deixa a menina dissolver
com as memórias
com as histórias bonitas
de quem não veio pra ficar
e só passou pra ensinar.
domingo, 25 de setembro de 2016
Tempestade e tempero
Isso tudo é muito sério, tudo que tenho guardado dentro de mim é muito sério.
A luz refletida no teu rosto, ou teu rosto brilhando mais que luz do holofote. Eu não sei dizer, são tantas cores, me transportei pros nossos corpos nús. Me transportei pras luzes coloridas do meu quarto. E eu preciso parar, você não vai parar por nós e isso, isso tudo é muito sério. Todas as vezes que estive perto se ti eu latejei, meu corpo latejou, minha mente latejou, fui pulso em constante evolução. Cresci, achei que crescia contigo, achei tanta coisa e só me perdi.
Agora é hora de me encontrar, nas ruas da cidade, nas árvores secas que me inundam, no meu quarto onde me cativam e me prendem a imensidão do nosso desejo.
É tanta coisa e isso é sério, sério demais pra me deixar entrar nas ondas sonoras do seu sorriso morno. Eu amornei minha alma na tormenta da tempestade.
Temperatura é coisa séria, meu bem.
E tempero também... E tempero também.
terça-feira, 20 de setembro de 2016
Reflexões da boa dor
Hoje eu não queria pensar na dor mas eu vi o céu em chamas e o que vinha mesmo era um pé d'água.
Havia fogo ali, atrás dos prédio. Minha alma, hoje tão calma, pegava fogo e ele se alastrou por tudo a minha volta.
Hoje eu caminhei pelos mesmos caminhos de sempre e puxei minha mente de volta quando ela quis voar até você : "manejo, Rafaela, manejo de pensamentos"
É tão difícil desviar de você, não tropeçar nas nossas lembranças é um trabalho árduo, diário. Afinal, deixavamos tudo jogado pela casa.
Peguei a encomenda que você deixou pra mim, estava lá, toda embalada de indiferença e um pouco de amor, talvez. Campilho vai me fazer bem nos caminhos atordoados da metrópole.
Ah, eu que sempre fiquei tão enlouquecida quando você dizia pra que nós saíssemos da cidade, hoje faria muito pra ir embora daqui, pra ter os pés descalços na terra molhada e um céu estrelado, bem clichê mesmo.
Essa concretude me adoece, dia após dia.
Eu ouço repetidas vezes a mesma canção, eu tomo todas as noites o mesmo remédio, eu sinto a mesma dor.
Mas hoje eu não queria pensar na dor... Já pensei, lembrei da Nina, a gata. Eu lembro dela andando por aqui, suas patinhas gordas e seu focinho molhado, sempre tão companheira, sempre me dizendo com sua linguagem felina que o mundo, ah, o mundo é sempre desastre e milagre simultâneo. A Nina morreu embaixo do sofá, o nosso sofá, a nossa Nina, o nosso amor...Tudo tão nosso e tão distante de ser qualquer coisa.
Que bom que muita coisa passou, que bom que não dilacera como antes a distancia de nossos corpos, ainda até penso nos pés embaixo do edredom, ainda penso em muita coisa, vez ou outra ainda choro como se fosse a primeira semana. Se consolidou três anos, três fodidos anos desde que eu fui embora de casa, meu amor. Você ainda vacila e me chama de amor, ou de bê...me corta a alma em pedacinho quando você se redime no mesmo instante, é como se fosse errado me amar...e talvez seja.
domingo, 18 de setembro de 2016
Nascente
A sentença morre nela mesma, se desfaz por si só.
Eu recuso as lembranças mas elas invadem, é incrível como elas vem dançantes e eu não as quero assim.
Vem o cheiro da sua casa, as árvores da sua rua, as tantas vezes que andei pela sua rua ao teu lado procurando respostas por me sentir tão feliz e inflada como um balão.
Teve noite que veio o frio, e manhãs de sol bonito que tomamos café fresco sentadas na mureta da garagem, com o primeiro cigarro do dia, entre os dedos.
Vem o som da tua voz pedindo pra que eu não lave a louça, não arrume a mesa, não varra o chão, que eu só não faça nada, e eu perdida no morno do teu olhar, só conseguia sorrir e pensar no quão bonitos são seus traços.
Meu sorriso queria romper por minhas bochechas, e mesmo nas noites mal dormidas, acordar do teu lado era como acalmar a desordem que está sempre em ebulição. O meu mundo se acalma, respira lento, com o diafragma, como o ranger vagaroso das janelas movidas pelas brisas das tardes de verão.
Saudade, quando vem, arrebenta o peito, e me carrega correnteza abaixo, dessa vez não deu tempo de me agarrar em nada, desaguei num choro soluçado, descompensado.
As lembranças, elas se multiplicam quando falo delas, acumulamos em tão pouco tempo páginas e páginas de cenas lindas, movidas por contemplação e toques sublimes. As vezes quando eu fecho meus olhos eu ainda consigo sentir você por perto, seu coração sincronizado ao meu, e toda aquela minha vontade incessante de te arrancar do peito toda a dor que te consome, seus demônios. Mas você precisa deles, não é mesmo? Precisa encontrá-los, tete-a-tete, entrar na mata ainda não desbravada. Ser etinerante dentro do seu desconhecido.
E eu preciso sair por aí, caminhar com a mochila nas costas, deixar o passado passar, se dissolver feito poeira da estrada de barro seco, ainda que tudo aqui seja úmido.
O barulho da chuva, os sinos da igreja do centro da cidade, as ruas da cidade e seus corpos desovados a cada esquina, tudo tão arraigado ao concreto.
Enquanto tudo que eu preciso é aprender a distinguir o soluço da solução.
Descobrir onde mora a nascente dessas águas que deságuam em mim.
terça-feira, 13 de setembro de 2016
A despedida
Ela disse uma porção de vezes que espera que fiquemos bem depois de tantas palavras de despedida. Eu não entendo porque tantas palavras pra então, ir embora.
Disse que não quer me perder enquanto me deixa mergulhar num líquido espesso, escuro, talvez seja café mal passado, talvez seja só o passado...
Ela disse, mais de uma vez, sobre não ter certeza de nada mas amplifica por todo o oco da sala o silêncio certeiro de me ver indo embora.
"Eu não volto mais, linda minha. Eu não volto mais."
Em alguma instância ela sabia disso, eu a convidei pra dançar uma porção incontável de vezes, mesmo quando minhas pernas doíam tanto.
São pedaços de mim que não voltaram, que se espalharam com o vento, mesmo sendo pedra bruta.
E eu a vejo assim, olhando pra mim, vendo aqui o que não floresce aí.
E o sol, com seus feixes de luz tão bem distribuídos me fizeram a amar em silêncio. Enquanto ela dormia, no calor morno das manhãs, no meu quarto ou no dela, eu costurava os retalhos coloridos e surrados pra que no inverno a manta estivesse pronta pra aquecer os pés dela.
Talvez seja esse libra solar, ou a venus virginiana, mas é no costurar diário dos retalhos, nas picadas incômodas da agulha e na desordem das medidas que eu vejo amor.
Que o inverno seja ameno, quando ela fizer anos.
sábado, 10 de setembro de 2016
Soluço
Tem hora que sopro é soluço
E soluço é ar num rompante
Que invade a caixa torácica e dói
Os olhos turvos já sinalizavam
O corpo era quase movido a diesel
O ácido estomacal nada diluiu
Ficou tudo embolado a olho nú
"Ainda é cedo pra ir embora"
Eles disseram sem nada ver
A janela me espelhava a alma
Me chamava pra um vôo súbito
Desci pela escada, ou era labirinto?
Desci com um cara senti-me em diáspora
Ela ficou, e a vírgula não é por acaso
Deixa-la ali foi minha queda pela janela
E hoje ela também foi soluço
Desses que só sei conter
Prendendo a respiração
Prendendo o veneno no peito
Meu antídoto eu perdi na mudança
E tudo mudou desde que o amor
Virou indescritível enquanto na verdade
Era só insustentável.
quinta-feira, 1 de setembro de 2016
Ambiguidade
Me vem sempre uma vontade irreparável de dividir contigo as coisas boas que me tocam. As mais belas músicas, os poemas perdidos nos livros empoeirados, os sabores das comidas mais suculentas e as contemplações que não se descrevem.
Eu não sei descrever o que sinto quando te vejo. É profusão de fundo de olhos, é mergulho profundo, é turvo e morno.
Eu te encontrei tão perdida, não sabia se dançava ou se sorria, tudo maltratava e dissolvia a dor,
Essa ambiguidade desordenada e preste a dar vida a mais bela flor, mas que ainda é broto.