terça-feira, 26 de abril de 2016

As reticências que são um ponto final

Antes eu vivia numa ânsia de ter controle de cada movimento, de me lembrar de cada passo dado mesmo que em falso. Hoje me vem o amparo do esquecimento quase que completo. Lembro vagamente da minha falsa impressão de sobriedade, e é isso que a pílula faz, me confunde inteira e eu tenho receita médica pra isso. O psiquiatra receitou meio comprimido antes de deitar. Tomo um inteiro junto com o antialérgico pra essa alergia de mim mesma e água, muita água, pra não lembrar do conhaque que ainda está em cima da geladeira. Comprei uma lâmpada de várias cores pra iluminar meu quarto (e a mente), ando numa busca constante por uma viagem contemplativa: não rejeito nada, tudo é bem vindo e me toma inteira! Aos poucos o remédio vai fazendo efeito, vai levando embora o equilíbrio do corpo e da alma: as pernas bambeiam, o coração acalma, as luzes trazem o mundo pra dentro de mim e reconheço por sinestesia. A música ajuda na insanidade, aí vem o corpo nu, a mão tocando a pele, os pelos púbicos, a boceta, os braços cortados que ainda doem, eis que em meio a confusão da mente embebida em zolpidem eu gozo e ao mesmo tempo aperto a lâmina do estilete novo contra as pernas e depois arranho a pele da barriga. Eu sangro, gozo e choro! Escorro em vermelho, daqui, dali, umedeço as bochechas de lágrimas salgadas e molho a cama com a lubrificação doce que sai por entre minhas coxas. Eu sou toda líquida e assim me escorrem também as tensões, posso agora dormir tranquila e acordar com a pele ardida, a mente bagunçada e uma leve lembrança dos gemidos e dos gritos de socorro que só saem com os espasmos do orgasmo. Acordo calada, mantenho o acordo de ser menos incomoda e perceptível do que fui nos últimos anos. Penso em você, penso e sinto você tão perto e tão inalcançável. Não queria entrar na tua onda metafísica de fuga, mas não resisto, preciso te mandar meu amor porque ele não pode morrer na nascente, porque eu não aceito que essa podridão que está te consumindo seja a única força a te envolver. Fecho meus olhos e penso em você, é incrível como sempre sorrio quando lembro da tua risada larga. Não há o que eu faça, tem coisa que nunca vai sair de mim e que eu nunca vou conseguir colocar pra fora, fez moradia trançada nos meus órgãos vitais. Percebo que essa vontade paralisante de estar perto de você não foi e não é de todo dependência, há reconhecimento. Um reconhecimento que não encontro em lugar nenhum. Não acho que seja mérito do tempo que ficamos juntas, intimidade e reconhecimento não tem só a ver com tempo, talvez nesse ponto eu acredite nas suas piras místicas. A gente se entendeu em algum ponto em que não sei explicar e faz com que eu possa falar e expressar coisas que não faço com mais ninguém, eu desengasgo! É quase vomito! E nesse ponto nós não tivemos cuidado, meu bem. Pois tudo que a gente tem, as vezes, é uma urgência de reconhecimento. E vai tudo! Pensei muito depois que nos vimos dessa última vez, tão bom estar contigo, mesmo com sono, mesmo cansada, mesmo tendo que me esconder, tão bom ver que o tempo passa rápido, ele ainda voa. Mas ainda fico muito ansiosa, ainda sinto tensão por todo o meu corpo e honestamente, eu sinto alguns medos. Me aciono inteira por medo, por saudade, por vontade, por vergonha, por ciúmes, por tristeza e por amor. Vontade não me falta de te levar embora, de te proteger e te ninar. Imagina, meu bem, se sou eu te contando sobre toda essa dor e violência? Imagina se sou eu a te dizer que você já não é mais a parte de mim que eu quero junto, que você é o pedaço que sou capaz de amputar pra fazer a vontade de outro alguém.
Mas ao mesmo tempo eu não quero ser isso na sua vida, eu te amo demais pra ser opção de uma escolha tão dolorosa e amarga. Não acredito mais em nós, não acredito mais que temos um 'alguma coisa' que transcende ou que é melhor do que outros 'algumas coisas', mas eu queria acreditar e essa angustia de viver entre o que eu ainda tenho de nós e o que eu perdi pelo caminho é algo que eu não quero mais.
Fui embora fugida, não aguentava mais fixar meu olhar no teu enquanto você me dizia o quanto está desesperada pra ficar com outra pessoa, o quanto não quer que essa pessoa vá embora ( mesmo sabendo o mal que essa relação causa pra ambos) mesmo que isso signifique que eu vá, ainda que eu já esteja tão fora e anulada da sua vida. Você me remeteu a mim mesma implorando pra você me deixar ficar, jogada no chão, desamparada, com todas as minhas feridas abertas, agarradas aos teus pés enquanto nada te comovia. Sinto dor quando lembro de mim naquela situação ( ainda que ela seja em parte metafórica), sinto dor de vê-la nessa, tão parecida, situação. Não posso admitir que fique nas mãos de uma pessoa que mal conhecemos a decisão sobre o que fazer com a vivência e o sentimento mais bonito e profundo que já experimentei, não admito fazer isso com a garota tão viva de 17 anos e cabelos laranja que se apaixonou num parque verde, não posso deixar que a coragem da quase mulher de 21 que se casou, vestiu-se de um branco meio bege, fez de uma casa um lar mesmo tão nova, tão boba, tão cheia de dores, seja tão descartável. Não posso deixar que a minha história seja envolvida numa atmosfera tão doentia e violenta. A escolha vai ser minha, mais uma vez.
Imagino hoje, com um pouco mais de precisão a dor que deve ter sido pra você perder, de quando em quando, o contato com sua mãe, não saber se está viva e sempre dormir e acorda esperando as piores notícias. Eu fico assim hoje. Fico na esperança, doce e crua esperança de que você está bem em algum lugar, ainda que não atenda minhas ligações, que não responda minhas mensagens, que não vá trabalhar, ainda que meu coração esteja tão apertado. Isso não é uma brincadeira, isso é real. Isso que é tão nebuloso pra mim, que me amedronta, que me tira noites de sono, que me tira as lágrimas mais cortantes, isso que é ver o meu amor escorrer pelo ralo.
Eu preciso ir embora de você, preciso que você vá embora de mim. E isso vai muito além de físico, de não ter contato, de sumir. Eu preciso parar com isso, aceitar suas escolhas sem me colocar a mercê delas, aceitar a raiva que eu sinto por suas escolhas, aceitar a magoa que está me definhando por dentro, aceitar que você está sendo negligente e egoísta com esse amor, com esse companheirismo, com essa casa que construímos tão duramente. Aceitar sua agência nisso tudo. Aceitar que apesar de toda confusão, de toda "doença", de todos os pormenores, você está sim escolhendo me tratar tão mal.
Baseei durante muito tempo o meu valor naquilo que você faz e acha de mim, é difícil não me achar um lixo, não me achar sem importância, ainda é muito difícil reconstruir isso, mas eu vou. ( Sempre digo que vou)Me dá um medo ver o tempo passando, as memórias se esvaindo, virando pó, esse pó que você não vai cheirar, e que eu não vou jogar na privada e dar descarga, esse pó se vai com a ventania que recebe maio. E eu recebo tão mal essa frente fria, a temperatura que só cai e meu coração que amolece, meus dedos que não acompanham no teclado a velocidade do pensamento. Você diz que há uma pureza em mim resultado dessa honestidade que me persegue, essa lealdade aos meus princípios, deve ser coisa desses meus tantos capricórnios no mapa. Mas a verdade é que eu sou apegada e obcecada, eu me mantenho fixada aos meus planos e tudo passa, todo mundo passa e eu fico lá. Fiquei em nós, fiquei na sala, deitada no tapete peludo, olhando a parede mal pintada : meio verde, meio laranja. Tava tudo errado ali e ao mesmo tempo tão aconchegante. Me vejo ali, contemplativa enquanto os móveis vão saindo, enquanto tudo vai se esvaziando, as roupas vão embora, as cadeiras,os bichinhos, as comidas, o amor...Só ficamos eu, o tapete e a parede mal pintada.
Ainda penso no bebê que não tivemos, essa parte dói muito, meu amor. Choro quando lembro que ele não foi bem vindo entre nós e ao mesmo tempo eu agradeço por você não ter deixado ele ter vindo sem ser completamente querido, que não tenha deixado minha barriga crescer, mês a mês, semana a semana sem confiança, sem certeza.
Estou aqui, longe, falando um monte de coisas, misturando as memórias, as histórias, misturando eu e você.
Me dá um puta medo terminar essa conversa porque eu sei que eu não quero mais ficar te esperando, ficar desejando que você volte a sorrir comigo, que volte a me dar alguma importância. Preciso que acabe assim, com reticências... 

terça-feira, 19 de abril de 2016

Fiquei na delicadeza dos seu olhar firme, talvez até fixado.
Mantenho-me na colisão de nossas incertezas. É incrível perceber que a dor não se estendeu entre nós, que a cama e o colo foram mansidão e calmaria, mesmo com nossas feridas assim, tão expostas.
Eu estive pontualmente feliz ao seu lado, embaixo de você, em cima também, entrelaçada, confundida no teu suor. Insisto em falar sobre o tempo, que se fez tão diferente. Não quero saber das horas, querida, elas me acordam, me recordam e ecoam dentro de mim com seu tiquetaquear incômodo.
Olho para trás, e apesar de ainda estar tão aqui já te enxergo indo, não te peço pra ficar, só peço para que não fique em canto algum se não for certo seu querer. Eu sou uma mistura hegemônica de contemplação e angústia, pra caminhar ao meu lado há de se ter, ao menos, uma boa dose de resiliência.
Para além das palavras difíceis e bem articuladas, preciso te contar sobre o encantamento que me trouxe a simplicidade dos seus sentidos e da melancolia tão presente que eu aprendi a ninar. Você, pequena, é grandiosa e não se calcula seu início e seu fim.
Me vi reconhecida nesse meio que se estendeu por nós, por minhas veias, por seus pés sem meias, por minhas manias de banho, por seu cigarro e sua fumaça que se dissiparam na janela do meu quarto, por sua saliva escorrendo por meus lábios, e o pulsar de nossos corpos em fusão: lubrificados, cansados das mazelas do mundo e tão dispostos a acariciar um o outro. E eu te acariciei como quem descobre desenhos nas nuvens de um céu azul turquesa, senti tuas marcas em auto relevo, revelando pouco a pouco o aconchego que me causa seus pés apoiados nos meus embaixo do edredom, e o ressonar tranquilo e surpreendente de quem já se familiariza com um mundo tão tão novo.

Não te reconheci dessa vez, eu diria que foi a primeira mas pensando bem eu acho que não foi. Houve um tempo em que forcei o reconhecimento, tempo breve, que deixei no esquecimento mas que talvez hoje me faria menos desconexa.
Olhei algumas fotos suas, procurei algo que me reconectasse, me angústia esse caminho do desligamento, você indo, indo, indo embora cada vez mais, se dissipando no ar como uma tempestade de poeira que agora se acalma.

Down, down, down ...

Numa dessas fotografias só consegui ver uma de suas mãos, a esquerda, acredito eu. As pontas dos dedos gordinhas, as unhas curtas, o dedinho um pouco mais levantado que os outros dedos, a textura macia e firme que ainda sinto acariciando minha pele. Ainda consegui identificar a blusa verde de lã que compramos juntas, eu queria que você ficasse quentinha, aconchegada, aninhada, sempre quis assim.
Não te tenho minimamente ao meu alcance, a não ser nas minhas memórias que hoje são tão falhas. Você voou, como sempre disse que faria, escorreu por entre meus dedos, solidificou aquele dito popular que nos diz para não apertar passarinho na mão. Não estrangulei, não matei, mas te soltei machucada, de asas quebradas achando que isso era amor.
Hoje os dias se enumeram aos cinqüenta, é essa meia centena que me lateja nas veias, essa é nossa primeira vez, pitê, primeira meia centena de vinte e quatro horas sem nenhuma interação.
Se eu tenho medo? Eu tenho medo do inverno, eu tenho medo do frio, esse gelado que dói na alma e que você aquecia com tanto vigor. As meias felpudas coloridas, o chá quentinho, o abraço que nos transportava desse mundo, o moletom cinza e a certeza imatura de segurança.
Eu sinto muito medo do frio, das chuvas gélidas e finas, eu sinto medo da madrugada que deixa a ponta do nariz quase roxa, eu sinto medo de passar pelo inverno sem você.
Depois vem a primavera, e apesar da dor de completar os vinte e seis sem suas previsões astrológicas, sem suas palavras bonitas desenhadas num papel rascunho, acordar no dia vinte e sete da setembro com alguma surpresa já manjada logo cedo, apesar de toda essa dor na primavera eu vejo flores por onde passo e elas me encantam, me refrescam a alma. Aí eu choro. Talvez eu chore em todas as estações do ano, mas no inverno, meu amor, eu choro sangue.

Você sabe que ela vai voltar e preterir e destruir tudo a nossa volta. Pé por pé, sorrateiramente. E os cacos que voam para o teto tem a ver com aquela cadeira que ela não quebrou nas costas dele, e com aquele amor que queimou ela por dentro e que  deixou incendiar como uma labareda que ilumina um vilarejo inteiro. Ela iluminou tudo aqui e agora não sei viver na escuridão mesmo sabendo que na escuridão eu ouço melhor todos os meus ruídos e os gritos abafados no peito.
Agora eu te escrevo com o cigarro entre os  dedos da mão esquerda e alucinógenos na cabeça. Essa cabeça sozinha, delicada e tão perturbada que ela insistia em ninar.
Eu não consigo gostar do odor da nicotina mas é só e tanta solidão que ela me enviou naquela carta de ausência e silêncio.
O tempo está se perdendo no meu coração e outra garota chegou e parou os ponteiros do relógio, agora eles vão num ritmo único rumo a lugar nenhum. Eu não quero rotas e destinos, não me agrada mais os pés cansados de tanto te procurar, já me basta a cabeça que não para de girar. Eu sinto amor no chá de gengibre com canela, no canteiro de plantinhas que não existe ainda, nas luzes coloridas que se multiplicam no teto da sala, a sala que é a minha casa e a dela, a casa que sou eu e que é ela.
Na loucura que a gente compartilha e corrompe, e traz pra dentro de toda a nossa imensidão.
Eu descobri um mundo sem você e sou um desabrochar constante de inconstâncias e insanidades. Eu quero assim. Eu quero assassinar minha etiqueta, meus pesares, já me basta meu peso e medidas.
Eu sou sólida, líquida e escorro pelo gozo entre minhas pernas peludas. E os pelos me acalmam, me aquecem e me  mantém intacta, contactada comigo e com elas.
A casa que é minha, que é dela, e que agora é brisa calma, é mansidão e emancipação das nossas tragédias.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

O amor me roubou quase tudo, me rasgou as roupas, me arrancou os sapatos, me deixou ressecada, perdi minha identidade, perdi o caminho pra casa. Não tenho mais medo, me contento com o suor frio na pele quente e a sensação quase constante de expurgar minhas toxinas. Perdi meu olhar por aí, em algum pôr ou nascer do sol, em algum gatinho assustado nas ruas, em alguma copa de árvore recheada de flores coloridas, em algum sorriso que as bochechas fecham os olhos. Eu perdi e por aí ficou. Carrego olhos vazios, córnea, pupilas, globo, cílios, veias, lágrimas, tudo conectado, tudo em perfeito estado: enxergo, no vazio. Aos vinte e cinco anos eu já não espero mais que uma avalanche me carregue e mude meu rumo, não sou velha, não sou nova, sou parte de um encaixe maior que não tem idade e que é tão pouco enquanto é quase, quase tudo. Minha percepção do todo se dá a partir de mim e isso faz com que nada exista sem mim, mas se eu não existir a engrenagem continua a rodar. As pessoas morrem, umas atrás das outras, tudo desaba e tudo se refaz. Não há morbidez nisso, há mansidão. A vida é cíclica e o amor é uma abstração que nos ajuda a manter o ritmo, ainda que esteja tudo tão enferrujado.

Minha sombra desperta minhas assombrações, as pessoas são tão tolas por andarem por aí com um cigarro entre os dedos e no entanto estou fazendo disso meu alívio imediato. Me sinto obscura, e começo a compreender os clichês da introspecção. Derrubo as cinzas em mim, sou cinza da cabeça aos tornozelos, meu pés continuam amarelados e frios. O copo de vidro na mão direita é tentação para desmembra-lo até que os cacos me perfurem a alma. Eu sou essa alma que insisto em tratar em terceira pessoa, o amor não, ele se torna cada vez mais terceirizado. Ele pode desatar, ele, que é masculino, que maltrata e desqualifica, ele, e todos os eles que eu não quero mais que existam.
Todos me acham tão bem acompanhada, cercada por todos os lados, dizem que eu tenho um sorriso largo, um abraço largo, costas largas, coisas de quem é vivaz. Mas eu sou solidão aqui dentro, perpetuadora de ecos, acumuladora de lembranças, estrelas que não brilham mais, nem por alguns segundos. Eu sou um grande e extenso desabafo, desalinho, desconcerto, e faço meu ninho em qualquer pedaço de carne que me dê carinho. Eu não sou especial, e piso em falso nos corações de quem amo, e na contradição de quem não sabe mais o que é o amor, de quem talvez nunca soube, continuo amando em doses cavalares.

domingo, 17 de abril de 2016

Quando o desespero me pega pelos pés, ele me arrasta pelo asfalto quente e minha pele em carne viva agora é gélida e frágil. Você sempre achou que eu não saberia lidar com a vida real, escancarada, cuspida na cara: se escondeu de mim, me escondeu de mim, fez dos dias um paraíso paralisante. Ninguém confia por completo quando digo que, ao seu lado, eu não sabia como caminhar com minhas próprias pernas, e que não, isso não é uma metáfora. Sei que nos apegamos a ideia de que nos salvamos de algo pior, talvez da morte. Mas será que não teria sido melhor assim? Sem falsas morbidades ou complexo vitimista. Não, falo no sentido mais cru da formulação da sentença. Fomos sentenciadas, por nós mesmas, a esse amor que ainda nos machuca de todos os lados. Demos vida a amarras imaginárias e ainda sinto-as em volta dos meus punhos e tornozelos. Caminho com dificuldade. Há sempre uma dificuldade que eu ainda não havia descoberto.
Você insiste em me tratar como uma criança, como alguém que deve ser tutelada, que não merece ter ciência de seu próprio destino. Eu me sinto sempre tão envergonhada de ter deixado minhas vida em suas mãos, foi pesado pra você e castrador pra mim.
E sabe, hoje, é tão bom que não tenhamos mais cabelos, pra que eu não lembre mais como tocávamos neles. Toque não existe mais na minha memória sensitiva, é vazio o preenchimento. A instabilidade hoje tem nome difícil: transtorno de personalidade limítrofe que caminha de mão dadas com um transtorno de ansiedade generalizada, e as crises de pânico, e os terrores noturnos,e os medos tão intensos, e nossa, deve ser incrivelmente bom não acordar mais com meus gritos assustados de pesadelos ou poder passar a madrugada acordada sem meu choro sentido pedindo pra você não me deixar deitar sozinha. Meus monstros, hoje, ganham vida em cima da minha cabeça. Demorei para aceitá-los, demorei para botar pra dentro o zolpidem, o clonazepam,o alucinógeno, o álcool, o caos, o vômito quase na garganta. Hoje eu engulo tudo: as alopatias, as psicoses,as memórias martirizantes, os pelos das quatro gatas que dormem comigo na cama de casal incasada.
Vi o sangue escorrer pelos meus braços lacerados e senti como se você escorresse de mim: dor, dor, dor, dor, dor, dor e um comovente alívio.
Boa noite, my love.