terça-feira, 19 de abril de 2016

Não te reconheci dessa vez, eu diria que foi a primeira mas pensando bem eu acho que não foi. Houve um tempo em que forcei o reconhecimento, tempo breve, que deixei no esquecimento mas que talvez hoje me faria menos desconexa.
Olhei algumas fotos suas, procurei algo que me reconectasse, me angústia esse caminho do desligamento, você indo, indo, indo embora cada vez mais, se dissipando no ar como uma tempestade de poeira que agora se acalma.

Down, down, down ...

Numa dessas fotografias só consegui ver uma de suas mãos, a esquerda, acredito eu. As pontas dos dedos gordinhas, as unhas curtas, o dedinho um pouco mais levantado que os outros dedos, a textura macia e firme que ainda sinto acariciando minha pele. Ainda consegui identificar a blusa verde de lã que compramos juntas, eu queria que você ficasse quentinha, aconchegada, aninhada, sempre quis assim.
Não te tenho minimamente ao meu alcance, a não ser nas minhas memórias que hoje são tão falhas. Você voou, como sempre disse que faria, escorreu por entre meus dedos, solidificou aquele dito popular que nos diz para não apertar passarinho na mão. Não estrangulei, não matei, mas te soltei machucada, de asas quebradas achando que isso era amor.
Hoje os dias se enumeram aos cinqüenta, é essa meia centena que me lateja nas veias, essa é nossa primeira vez, pitê, primeira meia centena de vinte e quatro horas sem nenhuma interação.
Se eu tenho medo? Eu tenho medo do inverno, eu tenho medo do frio, esse gelado que dói na alma e que você aquecia com tanto vigor. As meias felpudas coloridas, o chá quentinho, o abraço que nos transportava desse mundo, o moletom cinza e a certeza imatura de segurança.
Eu sinto muito medo do frio, das chuvas gélidas e finas, eu sinto medo da madrugada que deixa a ponta do nariz quase roxa, eu sinto medo de passar pelo inverno sem você.
Depois vem a primavera, e apesar da dor de completar os vinte e seis sem suas previsões astrológicas, sem suas palavras bonitas desenhadas num papel rascunho, acordar no dia vinte e sete da setembro com alguma surpresa já manjada logo cedo, apesar de toda essa dor na primavera eu vejo flores por onde passo e elas me encantam, me refrescam a alma. Aí eu choro. Talvez eu chore em todas as estações do ano, mas no inverno, meu amor, eu choro sangue.

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