Toda vez que você diz que eu não deveria estar vendo gravações antigas, lendo cartas que trocamos, vendo fotos nossas, toda vez que não entrar em contato com esse passado se torna salvação eu sinto que morre um pouco de mim.
E você fala tanto sobre não ser mais o que se foi que eu não me sinto menos do que um tecido em lenta decomposição.
Isso é lixo, é podridão.
domingo, 22 de maio de 2016
domingo, 8 de maio de 2016
Os minutos
Tenho dez minutos pra expurgar essa inconstância, dez minutos que logo se fazem nove pra sentir essa avalanche e deixar que me abandone.
Daqui oito minutos tenho que voltar ao trabalho; semblante firme, corpo ereto, sorriso no rosto e nenhum vestígio das mazelas da mente.
Tudo aqui me lembra você e você é grande, preenche todos os espaços, me deixa sem ar.
Teu percurso, meu resguardo, tudo escancarado, nada nos pertence, é tudo do mundo inteiro e eu pela metade, fracionada peço para que o relógio digital estacione, nada se faz real na eloquência do meu discurso vazio, ele não para, os trens não param, as pessoas não param e eu sou arrastada de lá pra cá.
Quatro curtos minutos; meus braços doem, meus olhos querem descansar, meu coração se desfaz como papel e água, vira pó.
Três, dois minutos e eu me recomponho, guardo a saudade, troco essa postura de quem pede socorro por uma de quem socorre, eu ando rápido, não corro.
Quinze horas, o pôr do sol esta a caminho e o domingo te levando de mim, me levando de mim, pra te encontrar na não matéria.
sexta-feira, 6 de maio de 2016
Silêncio
Nunca soube lidar com o silêncio e ele tem sido constante por aqui. De repente, ainda carregando os vestígios dos sons, das músicas, das risadas, das conversas calorosas, assim, como quem nem veio pra ficar ele se estabelece como se nada antes tivesse existido, faz morada. Ouço os ecos e por vezes me confundo sobre a realidade, sobre o que realmente ouvi e se realmente ouvi.
Ante a essa ausência, esse vazio, eu já me descabelei noutros tempos, eram raros os momentos calados e quando vinham, eu gritava.
Hoje, falo baixo, uma, duas, três vezes, se não obtenho resposta mantenho-me no espaço desse silêncio, me coloco no centro, deixo doer até que eu já não me sinta ferida por ele, e aí então posso dormir, no conforto ambíguo que me abriga o abraço gélido do vácuo.
quinta-feira, 5 de maio de 2016
Revolucionário prazer lésbico
o calor da tua pele
E o suor que escorre colado,
a saliva adocicada
o corpo todo úmido.
Os feixes de luz delineiam suas curvas
e meus olhos se perdem no mergulho,
somos águas profundas!
Desaguo,
escorro por entre as pernas,
as minhas entre e tão dentro das tuas.
Percorro o silêncio dos olhos que gritam,
e suas unhas cravadas nas minhas costas largas
me pedem por mais:
Mais fundo, mais forte, mais perto
Por hora, já não sinto o gosto amargo
de um corpo violado
Perco-me na inebriação dos seus fluidos
(Fluidifico-me)
Ressignifico minha existência lambendo toda a sua extensão
Suas cicatrizes, suas marcas, seus pelos, seus dedos
Me agarro em teus cabelos,
Me agarro a sensação revolucionária que é gozar ao som dos gemidos de outra lesbiana.
E então eu grito, eu berro, eu choro,
No ato desesperado de expurgar a imundice que me impregna
viver no mundo dos homens.
Adeus, Cecília.
Em cresci lá, nas palmeiras
Cecília, minha mãe e minha filha
Meu esconderijo, meu abrigo
Estive intacta na barra de sua saia
Aqui o tempo não me espera
Ele passa correndo por mim, me leva
O vento é de bagunçar os cabelos que não tenho.
O sol escalda e me envelhece.
Aos vinte e cinco recomeço no princípio
Esse que era o caminho que casa
Casa que não é lá nem cá.
Natural que estejamos confusas:
Eu, minhas pernas, minhas lágrimas, minhas fantasias, minha saudade.
Tudo tão meu e que órbita tão fora do meu alcance.
Sua pequenez, Cecília, era meu afago
O mundo aqui é alto demais, denso demais, largo demais, populoso demais pro meu coração solitário.
Eu ponho o cadeado no armário que nunca tranquei, e no caminho reverso, abro minha alma pro desconhecido que eu sempre odiei.
terça-feira, 3 de maio de 2016
segunda-feira, 2 de maio de 2016
Eu te pedi pra ficar em mim mais de uma vez. Te pedi enquanto dançávamos rindo ou lenta e carinhosamente. Te olhei nos olhos enquanto fazíamos amor e te pedi pra entrar, fazer morada e me deixar ser parte do que eu chamo de casa.
Você entrou e derrubou tudo que eu demorei anos pra reorganizar, chutou a porta, desregulou o pulsar de todas as coisas, o ritmo milimetricamente reajustado pra que doesse menos, cada vez menos.
Não queria escrever mais nada que me remetesse a você, foi então que percebi que falo de mim e não de você.
Estou arrumando a bagunça devagar, ainda sinto raiva na reconstrução, ainda me culpo quando vejo o estrago, eu sou tão sensível que te quis como meu amor mesmo depois de ter tanto medo de amar.
Não quero falar seu nome, sinto raiva, sinto angústia e por vezes nada sinto. Esse nada é que me confunde, me maltrata e retarda que possa ver de perto até onde você me perfurou.
Eu sei que hoje eu sofro o que você não sofre, me doem as pernas, a cabeça e a alma. Mas eu estou tocando na ferida, limpando-a e fazendo curativos diários. As vezes bato nela sem querer, dói mais um pouquinho e logo volta a se regenerar lentamente. Você não está nem olhando sua ferida, está evitando-a enquanto ela não te arde dos pés ao pescoço (a cabeça eu sei que já dói). Mas um dia, meu bem, quando eu me curar ela não me pegará mais, olharei para uma cicatriz sobre a pele e sentirei alívio, talvez eu nem pense em olha-la pois terá realmente passado.
Eu e você passaremos em mim e em você a dor será sentida quando não houver mais como recuperar os tecidos, os músculos, os ossos, te restará amputar a sangue frio, seja na primavera ou no inverno, no inferno.