quinta-feira, 30 de junho de 2016

Reticendo

Enquanto ela me contava sobre quando se apaixonou pelo céu 
Eu a sentia por dentro, 
Pude sentir suas ondulações de umidade aquecida 
Comprimindo meus dedos longos
Que captavam suas pulsações em preenchimento súbito,
Era quase como tocar a mim mesma.
Ela delineou a sensação de tocar o céu com suas próprias mãos
Enquanto meus olhos devoravam as constelações 
Que brilhavam em furta cor por todo seu corpo
A vi sendo oceano profundo, meu mergulho em águas turvas
Na contramaré senti minha pele retaliada sendo reconstruída
Como uma serpente que troca de pele, me vi texturizada e refeita.
Entre o céu dela e o meu oceano, 
Os triângulos dela e minha árvore seca
Há as infinitas indefinições das nossas reticências ...


terça-feira, 28 de junho de 2016

Velharia

Desculpa garota por te deixar entrar nesse quarto tão bagunçado. Foi quase um sonho ter seus olhos iluminando minha imensidão obscura.
Já não sei onde tudo em mim começa ou termina, e aqui a linearidade assusta, comove e é quase claustrofóbica. Faço um esforço danado pra não acumular e limpo tudo com uma frequência inacreditável, mas a verdade é que está tudo em ebulição constante e eu não sou forte como meu andar duro diz que sou. Meus olhos denunciam a fragilidade de quem juntou os cacos estilhaçados no chão da sala.
Eu queria ter te falado, baixinho e bem expressado, que eu só precisava ir pra casa, deitar a cabeça no travesseiro e deixar a confusão de hoje escorrer pra debaixo da cama. ( Quem sabe, num surto benevolente do universo poder cair em teus braços)
Nada consegui dizer, mal acenei com a cabeça quando você perguntou se eu estava bem, mal disfarcei o olhar perdido e as mãos agitadas. Eu queria ter ficado na inebriação do teu cheiro, eu queria ter sorrido ao ver você angariar vôo, desejando que seja doce.
Eu preciso passar um novo café toda manhã, e olhar pela janela, sentir o ar fresco invadir meu mundo, lá no fundo, e mesmo com toda essa materialidade, eu agradeço a alguma subjetividade por poder sentir por alguns minutos, logo cedo, essa paz.
Mas aí as lembranças vem, menina, elas sempre vem e me inundam de um líquido espesso, e passo o dia inteiro sentido o corpo pesado.
Enquanto estive contigo o tempo passou macio por mim, quase acreditei que poderia ser palpável, que poderia perdurar, e pendurar no varal, de uma vez por toda, essa colcha velha de retalhos.
Ainda não posso, me sinto exposta e solitária sem ela, sem essa velharia toda, sem essa nostalgia corrosiva, mas que alimenta alguma coisa que me mantem em pé. Eu preciso dessas lembranças, dessa saudosidade, do jogo de xícaras da minha avó, do turvo amor que eu tomei num gole só como veneno que intoxica mas não mata.
Você é fresca demais, nova demais, linda demais, e nesse acumulo de conjunções eu sou verbo inconjugável.

terça-feira, 21 de junho de 2016

Condicional

Se eu pudesse eu te daria tudo que há em mim, assim, como alguém me deu um dia, há uma década atrás.
Mas não precisávamos pensar, o mundo era meu e o que não era ela me deu.
Meus cabelos alaranjados, minhas unhas mal pintadas, eu era como um tela pintada por uma criança de dez anos. Eu fui a bagunça que ela deixou entrar e revirar tudo. Ela sabia, melhor do que eu que o tempo passaria e que como passarinho eu voaria, quebraria minhas asas hora ou outra e voltaria ao ninho aos prantos. Tudo se revelou como previsto, porque se você confia no vento de olhos vendados, uma hora a ventania te derruba.
Hoje, ergo-me mais que o necessário para apenas caminhar, deparo-me com belos sorrisos, boas histórias e lindas garotas desfeitas e refeitas.
Você me veio como um susto, parece até que brotou do asfalto, como aquelas plantinhas que desafiam o concreto e a lógica e florescem em meio ao inexplicável. Eu olhei pra você, mais de uma vez, e pude sentir minha pele arrepiar como uma catarse, e desejei inúmeras vezes que você não desejasse estar comigo, que fosse apenas um jogo de olhares e sorrisos.
Mas você veio e sorriu pra mim, e num magnetismo sorrateiro não desconectei mais meus olhos de você aquela noite.
Me sinto adoecida quando deixo emergir sentimentos complexos por alguém, me dizem o tempo inteiro que há um transtorno, e eu não tenho como me desculpar pelo que eu sou, pelo que eu conheço de mim.
Eu sei que machuquei algumas garotas pelo caminho, que eu não soube ser doce e sensível como eu disse que seria, eu sei que sou um emaranhado, que confundo minhas dores com meus amores.
Se eu pudesse, eu seria seu porto-seguro, seu afago, seu amparo pras quedas que ainda virão. Mas a verdade é que eu não posso ser isso sem que eu fique seca depois. Me disseram que o amor nos rouba a concretude das boas coisas, das boas vindas, dos bons ventos.
Ela me pediu pra me apaixonar por um projeto e não por uma garota, pra escrever um livro, plantar uma árvore, respirar devagar, pois as paixões aos vinte e seis, na metrópole, são insustentáveis e cortantes.
Eu rasgo minha superfície para expurgar o sentimentalismo, eu tenho longos orgasmos para que os músculos contraídos me renovem a força da alma, eu intoxico meu organismo com quatro combinações alopáticas para frear os delírios, e os delírios eu compro líquido em papel colorido.
Eu estou apaixonada por ela, e honestamente eu não sei mais o que se faz com essa expressão.
O que posso dizer de mais reconfortante, é que eu sinto saudades de quando apaixonar-me era sentimento e não condição.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Retrovisar

Vejo pelo retrovisor do carro ela se aproximando, e a cada passo que ela dá, em minha direção, antes de tocar a maçaneta, eu sinto meu corpo inundando, seu jeito de andar tem um balanço ritmado, os braços desajeitados, meio pra lá, meio pra lá, ela dança pra mim, dança pra mim. 
eu a beijo, sinto o cheiro dela me invadir e me dispo instintivamente das minhas certezas sólidas, é tudo sonoro, fluido, sensitivo e minha mente paranoica se dissolve, sou barco de papel solto na correnteza. 
O silêncio dela é musicado, sinto cada nota e suas inúmeras variações, ondas sonoras, magnetismo, tudo transpassado por um sorriso tímido e orgânico, ela sorri com olhos. 
eu faço nossa direção: não há nada fortalecido aqui, ainda carrego nas costas a ferida aberta do punhal, dois gumes, ardor que atravessa as oito primaveras. A dor não te amadurece, ela te petrifica e o que sobra é lodo, mãos nos bolsos vazios e uma mente perturbada. 
Eu nunca estive em conformidade, sempre fui um punhado de comorbidades, assim como ela é hoje, um sopro de amabilidade disforme e inteiramente profunda. 
E as águas da correnteza te levam, te bagunçam, te desfazem, te transformam num punhado de papel picado, molhado, frágil. 
Hoje eu observo com calma o corpo de uma mulher, toda sua extensão, me inebrio no cheiro e suas inúmeras distinções, não me distraio, não contraio mais do que o necessário dos espasmos do orgasmo subindo pelas coluna dorsal. Se puxo os olhos dela pros meus é porque procuro o lugar seguro que faço a ligação que me permite tocá-la sem dúvidas, seja aqui fora, seja aí dentro.

terça-feira, 7 de junho de 2016

reflexões de uma terça cinza

Terça-feira de manhã, o céu daqui é acinzentado, por completo. A xícara de café esfria rápido no inverno, e o desenho pintado na cerâmica, paisagem ensolarada de salvador se contrapõe a concretude que me meus olhos vêem daqui ao horizonte. O cigarro mal acomodado entre os dedos, é o primeiro do dia, mas sempre parece o primeiro da vida, ainda tenho medo que minha mãe me veja assim, me aliviando em cada trago, mesmo sendo ela quem vi desde que nasci afogada em fumaça.
O tempo se estende essa hora da manhã, se alonga a cada pensamento que se fixa por aqui, ainda não é hora das obsessões. Ela me disse sem pestanejar "você me disse que está obcecada, querida", eu bati o pé num 'não' absoluto, chorei calada, no telefone não se pode ver as lágrimas, e a respiração descompensada a gente disfarça, prende, até que falte o ar e a razão.
Ainda me pergunto como é possível se apaixonar no inverno em são paulo, como os olhos podem brilhar quando tudo é cinza e a chuva forte e gélida ao invés de regar as plantinhas as derruba, as destrói?
Como olhar fundo nos olhos de uma garota, pegar as mãos delas devagar, sentir cada pedacinho daquele reconhecimento tão íntimo e único, enquanto tudo a sua volta é mensagem constante de que você é odiada, de que está em risco iminente por isso? Nesses momentos, onde só se quer um pouco de sossego, assim, simples e orgânico, não me parece mais revolucionário, me toca por todos os lados e eu só consigo me sentir violentada.
Nossos corpos lésbicos são templos sagrados, e quando eles se unem há profusão: é cheiro que inebria, suor que embebeda, olhos que te engolem, o descompasso que se alinha, é canção não ensaiada, e é tudo poeticamente sólido e sinestésico.
Às vezes eu só preciso parar e pairar num olhar, boiar num oceano de águas desconhecidas, sem medo de deixar o corpo todo arrepiar, de desnudar-se mesmo coberta dos pés a cabeça, e deixar molhar: os olhos, os lábios, as mãos e entre as pernas, que é correnteza e eu escorro.

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Olhos de fita

Sabe, eu preciso que você espere, que espere só mais um pouco. Que espere algum bando de aves de qualquer espécie migrarem pro sul, que espere o sangue completar seu percurso por todo seu corpo, que espere o remédio fazer efeito. Eu preciso que você espere o efeito do beijo, que espere a solidificação do desejo, desejo que escorria por meus dedos enquanto eu sentia tua pele desconhecida. 
Dancei com o desconforto, com o magnetismo dos teus olhos, pequenos olhos, muito olhar.
Nada começa nem termina ali, o que te faz imensa é esse frescor dos pés ainda não maltratados, do sorriso que vem sem pedir licença, coisa de quem ainda não foi corroída pelo tempo. 
E em meio essa corrosão que me envolve, como não ter medo de corroer, pétala por pétala, o canteiro florido que se esconde por de trás dos teus olhos tímidos?