Terça-feira de manhã, o céu daqui é acinzentado, por completo. A xícara de café esfria rápido no inverno, e o desenho pintado na cerâmica, paisagem ensolarada de salvador se contrapõe a concretude que me meus olhos vêem daqui ao horizonte. O cigarro mal acomodado entre os dedos, é o primeiro do dia, mas sempre parece o primeiro da vida, ainda tenho medo que minha mãe me veja assim, me aliviando em cada trago, mesmo sendo ela quem vi desde que nasci afogada em fumaça.
O tempo se estende essa hora da manhã, se alonga a cada pensamento que se fixa por aqui, ainda não é hora das obsessões. Ela me disse sem pestanejar "você me disse que está obcecada, querida", eu bati o pé num 'não' absoluto, chorei calada, no telefone não se pode ver as lágrimas, e a respiração descompensada a gente disfarça, prende, até que falte o ar e a razão.
Ainda me pergunto como é possível se apaixonar no inverno em são paulo, como os olhos podem brilhar quando tudo é cinza e a chuva forte e gélida ao invés de regar as plantinhas as derruba, as destrói?
Como olhar fundo nos olhos de uma garota, pegar as mãos delas devagar, sentir cada pedacinho daquele reconhecimento tão íntimo e único, enquanto tudo a sua volta é mensagem constante de que você é odiada, de que está em risco iminente por isso? Nesses momentos, onde só se quer um pouco de sossego, assim, simples e orgânico, não me parece mais revolucionário, me toca por todos os lados e eu só consigo me sentir violentada.
Nossos corpos lésbicos são templos sagrados, e quando eles se unem há profusão: é cheiro que inebria, suor que embebeda, olhos que te engolem, o descompasso que se alinha, é canção não ensaiada, e é tudo poeticamente sólido e sinestésico.
Às vezes eu só preciso parar e pairar num olhar, boiar num oceano de águas desconhecidas, sem medo de deixar o corpo todo arrepiar, de desnudar-se mesmo coberta dos pés a cabeça, e deixar molhar: os olhos, os lábios, as mãos e entre as pernas, que é correnteza e eu escorro.
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