Vejo pelo retrovisor do carro ela se aproximando, e a cada passo que ela dá, em minha direção, antes de tocar a maçaneta, eu sinto meu corpo inundando, seu jeito de andar tem um balanço ritmado, os braços desajeitados, meio pra lá, meio pra lá, ela dança pra mim, dança pra mim.
eu a beijo, sinto o cheiro dela me invadir e me dispo instintivamente das minhas certezas sólidas, é tudo sonoro, fluido, sensitivo e minha mente paranoica se dissolve, sou barco de papel solto na correnteza.
O silêncio dela é musicado, sinto cada nota e suas inúmeras variações, ondas sonoras, magnetismo, tudo transpassado por um sorriso tímido e orgânico, ela sorri com olhos.
eu faço nossa direção: não há nada fortalecido aqui, ainda carrego nas costas a ferida aberta do punhal, dois gumes, ardor que atravessa as oito primaveras. A dor não te amadurece, ela te petrifica e o que sobra é lodo, mãos nos bolsos vazios e uma mente perturbada.
Eu nunca estive em conformidade, sempre fui um punhado de comorbidades, assim como ela é hoje, um sopro de amabilidade disforme e inteiramente profunda.
E as águas da correnteza te levam, te bagunçam, te desfazem, te transformam num punhado de papel picado, molhado, frágil.
Hoje eu observo com calma o corpo de uma mulher, toda sua extensão, me inebrio no cheiro e suas inúmeras distinções, não me distraio, não contraio mais do que o necessário dos espasmos do orgasmo subindo pelas coluna dorsal. Se puxo os olhos dela pros meus é porque procuro o lugar seguro que faço a ligação que me permite tocá-la sem dúvidas, seja aqui fora, seja aí dentro.
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