quinta-feira, 28 de julho de 2016

Porques

Porque eu não pude ir, Laura?
Eu nem sei como se usam os porquês 
Passei anos tentando entender 
Hoje faço teorias inconsequentes 
Invento teoria pras regras gramaticais 
E pro dissabor do coração
É sempre o mesmo script, Laura.
O carinho contido nas mãos
A vontade crua e genuína
De deixar os dedos dançarem.
Já é tarde, Laura, e você não é ninguém.
E pode ser um infinito, um longo infinito.
Porque eu não pude ir, Laura?
Porque muda tanto o gostar mesmo depois de tanto gozar.
Daqui dali acolá
Meu coração adormece sem respostas.

Poesia aos dezessete

Aos dezessete já nos tocaram os desamores já nos tomaram os destemores Ás dezessete os raios solares já estão baixos os feixes de luz atravessam a persiana Aos dezessete o medo ainda nos toma suores noturnos o alívio do amanhecer nos acaricia os olhos Às dezessete o café ainda é aguado no desajuste das medidas a fumaça que intoxica e alivia é necessidade Aos dezessete esses que adentram a madrugada, em dose dupla que tornam mais próximos os vôos alçados que dão lugar às novas quedas (e que se machucar é inevitável) E as dezessete
previsões de um inverno manso nos dezessete dias 'vinte e sete do sete': os largos sorrisos, os laços e os braços compridos o choro contido, o caos do quarto dissolvido. E daqui, dos meus quase vinte e seis vividos o desejo quase juvenil é de que seus barcos sejam guiados apenas pelos bons ventos, e que a ressaca e as tempestades, se vierem, sejam reconfortadas por manhãs azuis turquesa e a certeza do vinculo criado e recriado todo dia desde que navegavam juntas nas águas amnióticas. Com carinho à Lana Lopes e Raíssa Lopes

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Revolução em movimento

É a sensação da descoberta, do desvendar minucioso e lento do corpo de uma outra mulher. Os passos cativos que os dedos dão, um após o outro, o arrepio, os espasmos calmos de quem sabe que não há atemporalidade que carregue a sensação morna da fusão desses corpos.
Eu dentro dela, ela dentro de mim, o toque translúcido de quem toca a outra como a si mesma, o desbravar inquieto de um universo escondido, tantas vezes violado, tomado de nós com brutalidade e coerção.
Sinta o tecido macio, o caminho apertado, a umidade aquecida e inebriante nos dedos compridos, nas mãos que ergue a Labrys. Eu escorro como correnteza por minhas próprias pernas enquanto estou entre as dela. Há uma florescer intenso de ancestralidade quando uma mulher se permite ser penetrada pelas mãos de outra mulher, os olhos transformam-se em caminhos luminosos e úmidos, são as guerreiras, as bruxas, as curandeiras, as feiticeiras,são suas almas nos fortalecendo e nos dizendo que eles podem nos queimar, nos perfurar os corpos e as almas, nos esconder e exorcizar, mas renasceremos cada vez que uma mulher se conectar consigo mesma, mesmo que refletida nos olhos e na alma de uma outra. Nossa fusão é revolução!
A lágrima desce, morre no final do pescoço longo, dói ser despida no mundo onde é preciso esconder-se para caminhar, dói ser respeitada quando se espera brutalidade de todos os lados, dói poder escolher entrar no labirinto infinito de nossas próprias histórias.
E os gemidos angustiados, as pernas tremulas, o fluxo de sangue a inchar os lábios, a doçura enfeitiçada dos líquidos demoníacos que escorrem e dissolvem toda a toxidade.
Tua pele, meus poros, teu caos, meu carma, minha alma, e tuas mãos a me pedir socorro num aperto cativo.
E o gozo, o estremecer, a reticência da noite de lua cheia a gritar em eco ao vão do mundo: lesbiandade é a revolução em movimento!

sábado, 16 de julho de 2016

Olhos de fita ao vento

Eu reli tudo que você me escreveu mais uma vez, não consegui mais do que isso e nem precisei, eu absorvi cada palavra sua e tudo fez muito sentido. Gosto de como você alinha as palavra, delicadeza e amabilidade não são coisas que tem sido constantes por aqui.
Às vezes é difícil falar qualquer coisa, às vezes basta olhar nos olhos, sentir a textura da pele, as nuances, a penugem, o contorno do sorriso e a delicadeza do choro contido. Isso me bastou hoje, e suas palavras, poucas e tantas, foram certeiras, não tenha dúvida disso.
Quando você leu que não poderia estar comigo agora porque precisa cuidar de si mesma eu não conseguia pensar em mais nada que não fosse: essa é a coisa mais bonita e corajosa que ouvi nos últimos tempos. Quando eu chorei (e realmente não pude conter as lágrimas) o fiz por sentir que era a coisa certa a se fazer, e porque vou sentir saudades, porque te ter aqui pertinho foi como uma poesia, como uma música bonita nos fones de ouvido enquanto os olhos degustam um pôr-do-sol. Sua chegada foi uma bagunça ritmada, um vento gostoso que acaricia e arrepia toda a pele, eu quis muito dizer que não, que não te deixaria entrar e tudo que eu consegui foi me perder dentro dos seus olhos fugitivos.
Claro que eu queria que fosse diferente, que tivéssemos nos encontrado em outro momento, que eu tivesse um coração menos machucado, que eu não sentisse tão profundamente todas as minhas cicatrizes, e queria pensar diferente mas eu realmente acho que foi melhor você não ter conhecido mais profundamente todo o meu caos. Eu sou poço fundo, linda, fundo demais e estar contigo era como flutuar para além das nuvens desse céu acinzentado.
Busca teus pedaços partidos e perdidos, se refaz, se faz inteira pra si mesma, pra que teu sorriso te encante como encantou a mim, porque você se encantaria se pudesse enxergar tudo que eu enxergo quando olho pra você, é carinho pra alma.
Ainda escrevendo, muita coisa me vem a cabeça mas não consigo organizá-las aqui, é como se pela primeira vez a ausência de palavras e explicações fizessem um sentido único, e eu não paro de pensar que "tudo bem, vai ficar tudo bem".
Existe dor, sim, existe. Mas não é você que a traz, são minhas lembranças facilmente ativadas, são minhas feridas e as tantas despedidas que já fiz nessa vida. São as inseguranças e o medo de errar, de falhar, de estar mutilada, medo da minha própria cabeça, da minha inconstância, é dor de fechar mais um ciclo, de deixar dissolver sem prender nada. Aí dói, mas logo logo sara, porque dessa vez eu quero olhar a cicatriz, daqui um tempo, e pensar: essa aqui foi uma história bonita, ao lado de uma garota que brilha em furta cor, foi repouso pros meus olhos e pés cansados em meados do inverno de dois mil e dezesseis.


Me ouve falar baixinho, ao pé do ouvido : Meus dedos ainda podem sentir as constelações em auto relevo por teu corpo quando fecho meus olhos.
Que os sonhos sejam bons, menina!


quinta-feira, 7 de julho de 2016

Tinta sobre ferrugem

Quando seu coração se desmanchou e  escorreu como suor por todo seu corpo eu me fiz tecido permeável pra te acolher e te mostrar que se desmanchar, as vezes, é se refazer.
A verdade é que parte de mim se perdeu em você, minhas células confusas migraram pra sua corrente sanguínea e me vejo fluindo por suas veias enquanto mantenho meu solilóquio.
Há pouco pra se entender quando um corpo é capaz de unir as partes fragmentadas de um outro corpo: não é poesia, é organicidade.
Te embalo ainda nos meus braços num intuito metafísico de embalar a mim mesma. Eu chorei contigo o perdão que não dei a mim mesma dez anos atrás e senti o gosto do seu medo como nunca pude sentir o meu.
Eu sei que dói, dói absolutamente tudo, rasga a alma ao meio, e eu não esqueço suas mãos coladas ao peito como quem tenta conter a hemorragia.
É isso, pequena, sensibilidade é hemorrágica, e só o tempo te ensina a manter o fluxo e a respiração.
Eu me sinto desgastada por mim mesma, corroída pelo tempo e pela exposição, mas faço de mim barragem, e sinto que me rompi ao tentar conter suas águas turvas.
Estou inundada, de mim, de você, do caos de nossas mentes.
Eu sou ferrugem e você tinha fresca.