quarta-feira, 22 de março de 2017

Três da manhã

Três horas dá manhã é o meu horário
Ela sabe disso, soube antes de mim.

Essa hora a saudade grita,
In my brain
Às três eu confundo tudo
Eu peço perdão, em vão
Melhor seria estar em pele
Ou melhor em casa
Aqui eu tô nas miragens
Daquilo que nem teria sido
You dont know me - I Said
Meio assim engasgado
Essa era hora que a hora sumia

A dor ficou, não é dor todavia
E a rodovia eu deixei pra depois
El tiempo esta despues, corazon
É a fumaça que mede o desgaste
E você falando dos meus olhos
E eu acreditando que você ficaria
Eu nem fumaça tinha, tudo vinha

A sina é sempre ir andando
Mesmo que eu insista em deixar
Restos de chá ou de café nas xícaras

dançando na cozinha

a forma como o tempo se desfaz e se refaz me intriga
ele pode se retorcer ou nos consertar, tudo ali
olho para você e penso nas manhãs de outono
aquele sol que é arrebentado pelo gelado
eu gosto da sua rua e até já deitei nela no meio da madrugada
você estava tão perto e ao mesmo tempo tão longe
o real me parece um pedaço do tempo que não existe
busco minha vida inteira a realidade nua e crua
aprendi que é mais esperto te ver nua ao meu lado
teu corpo me prendendo sem que ao menos eu o toque
algumas coisas são inexplicáveis, ainda bem...
ontem dançamos no piso frio da cozinha
e eu me senti aquecendo, algo que vinha do ventre
a solidão dá medo quando percebo que é hora de partir
sinto o seu coração acelerando pouco a pouco
em doses homeopáticas e ganhando o mundo
não há nada que fevereiro não cure e eu posso esperar
mas se você ficar podemos dançar no piso frio da cozinha
andamos juntas distraidamente do mundo oxigenado
ainda que eu não durma a noite inteira e sinta dor
eu me refaço na atemporalidade de te ver acordar
e ainda vou aprender a andar de bicicleta
que aí eu atravesso a cidade, ou talvez um quarteirão
só pra te convidar pra dançar, e se for demais pra você
quem sabe pode ser só, e tanto, pra entrar num abraço balançado

quarta-feira, 15 de março de 2017

Alguém fez disso uma enorme ilusão

Os processos já foram muitos;
vesti o casado de lã que era da minha avó, na verdade eu nem tenho certeza se era dela.
não tive medo de acessar o que me fez urrar durante o orgasmo, eu só deixei emergir. Chorei num exorcismo honesto demais pra que qualquer pessoa pudesse ver.Pouco tempo, senti como se um líquido espesso saísse por meus poros. Doeu, mas foi. Talvez agora seja só atadura, não mais estanque. Gozei no chão da sala, orgasmos nem sempre são pra sentir prazer, às vezes é pra sentir o corpo expelindo sem que haja controle do que sai de dentro. Tudo se contrai e num descontrair abrupto pude ver minha alma sendo expurgada em partículas até o teto e voltando a me preencher naquilo que precisa ficar. Doeu, mas foi. As cartas do tarot dizem que você não vai entender o que eu digo, que sua mente está presa num vórtice de ilusão, então deixa ser ilusão, não acho que fui muito diferente quando nos criei em mim.
O problema são as lembranças, que apesar de eu sempre esquecer o que eu digo, nada me desliga do que é visual e tátil, desde tão novinha. ''Canta baixinho pra me ajudar a dormir'', no começo eram sussurros tão pouco audíveis, pouco a pouco eu fui ouvindo cada variação da tua voz, até me acostumei com seu medo de imperfeição no cantar de ninar que te fazia recompor a voz como quem canta pra um teste e não pra um amor. Eu nunca tive medo de você ou do seu amor, eu tive medo do seu medo, e eu tentei acolhê-lo para que ficasse aqui perto, onde eu pudesse vê-lo. Mas ele te tomou e eu nem vi, ele escorreu por entre meus dedos e minha mania de manter tudo sob controle, e eu nem vi.
Agora ele está aí, instaurado, consumindo tudo que pro lado de cá é preciosidade. Deve estar mesmo muito difícil estar sozinha deixando os sentimentos e os pensamentos em sua cabeça como num pote de conserva. Os detalhes, dessa vez, eu vou guardar pra mim e a raiva eu vou dissecar, guardar embaixo da minha cama até que eu possa me desfazer dela. Não vou parar no nosso tempo, em alguma dimensão você compreendeu meus traumas e me acolheu em seus braços, em alguma outra eu os superei até que você não tivesse que acolhê-los, mas aqui, nessa, meus traumas te acuaram e eu fiquei sozinha com toda a sujeira a minha volta, sem entendimento, sem acolhimento. E em alguma fenda temporal entre o agora e o daqui a pouco eu pude compreender que eles não são seus, são meus e que meu dever é recolher meus cacos e cuidar deles como deve ser.
Não espero mais resposta porque já não as tive por tempo demais, mas ainda me indigno quando me permito, ainda mantenho a testa franzida e os lábios apertados quando sinto raiva. São doze dias, e apesar de não gostar de saber as horas quando estou contigo, eu gosto de contabilizá-las quando não estou, até o dia em que não estar será morno e olhar o relógio parecerá um apanhado de número enfileirados. Dessa vez não há quem diga que meu processo está errado, pelo simples fato de não haver pessoas e isso é tão duramente amoroso, quando se percebe que a solidão não escolhida pode transformar-se em solitude, ainda que por poucos instantes. Desisti de manter a estabilidade como ponto de referência, dói demais, porque eu sei que ainda não sei ser quieta e que gritar por vezes me acalma, só não lacero meu corpo mais, por hora, e talvez pelas próxima muitas.
Minha mãe tem medo quando me vê triste assim, eu tenho medo quando me vejo triste assim, e a escova de dentes laranja já foi pro lixo, e o lixo já foi pra fora do apartamento, pouco a pouco vou me desfazendo e deixando numa gavetinha só que eu sei que não vai doer se ficar. Mas meus olhos doem, minhas bochechas doem, meus braços ainda doem, e a cabeça eu já nem sinto.
Quando foi que eu desisti de me manter segura e me abri assim? Porque foi que eu achei que estaríamos seguras em algum lugar?

" Também achei que o amor tinha muito menos mutação que um plátano, e agora fico aqui sentada na fazendo assistindo a mudança das estações. Alguém fez disso uma enorme ilusão, e olha que nem sei o que é a morte, my bad or my luck"

terça-feira, 14 de março de 2017

Not for her

Eu sempre sento no mesmo lugar no metrô, fico na janela vendo o concreto passar numa velocidade que até parece que tá tudo parado. Acho que isso diz muito sobre minha própria cabeça.
Me disseram que eu tenho que ser mais positiva, pensar no que a vida tem de bom, essa coisa toda que ensinam nos livros de auto ajuda. Quem sabe não seja esse o clichê que me falta?
Eu sinto raiva, muito mais vezes do que eu admito sentir. É que o sorriso no rosto parece mais admissível no caminhar do dia a dia. Eu sinto o dia a dia me carregando arrastada no asfalto, e numa confusão indescritível muitas vezes parece que estou de trás pra frente.
Eu sinto raiva da instabilidade que me toma como uma tormenta, da sensação de completude que d'uma hora pra outra me arranca as viceras, eu sinto raiva de saber que não há como fugir de mim como insiste a canção que toca em looping nos meus fones de ouvido. Eu queria partir daqui mas me parece mais cômodo colocar a responsabilidade no meu mapa astral tão cheio de terra, que me aterra, melhor seria ser ar como diz meu signo solar.
Sinto hoje que preciso falar mais de mim, e talvez na hora do jantar me tome por completo os pensamentos intrusivos de que ela é o pensamento inevitável.
Não quero chegar a conclusão de que não há nada que eu possa fazer comigo mesma, porque no final das contas, não há nada que eu possa fazer com a ideia de que não há nada a fazer. Tudo que eu fiz no último ano foi achar algum meio de me anestesiar, mesmo que com a contradição de estar sempre tão intensa no mundo. Meu grande amor insiste em ser grande mesmo nas palavras que detesto ouvir. Eu detesto que ela tenha razão quando fala das cartas de tarot, quando fala sobre ser pra dentro e não pra fora, sobre morrer pra nascer de novo, sobre a subjetividade do estar enquanto a concretude da metrópole me engessa.
Ainda acho que somos pássaros de asas quebradas, todas somos, as marginais, as inquietas, e nossos amores são castrados todas as manhãs quando acordamos. A cada esquina alguém vai me olhar como escória, e tudo que carrego comigo é a certeza de que faço do meu mundo um mundo mais inteiro por amar mulheres, mas carrego também minha guia de proteção e hora ou outra uma garrafa de vidro quebrada. Eu nunca sei se vou voltar pra casa ou como. Não vou negar, num apêndice desse que seria um escrito só meu: eu gostaria de voltar pra casa contigo e saber que vencemos mais um dia.
Acho que carrego muita coisa e preciso deixar um pouco dessa bagagem pra trás, sentir os ombros mais leves e os braços mais fortes.
Se o mundo parece esquecer... Então eu esquecerei também. E se não sei, não há nada que me impeça de aprender.

sábado, 11 de março de 2017

Alma que menstrua

É como cólica menstrual

contrai
retorce
expulsa
expurga

E quando o tempo leva a dor
Parece que o mundo se encolhe
Num amornar bruto te acolhe
Só se sente a ausência da dor

sexta-feira, 10 de março de 2017

Runaway




"E eu estava correndo pra longe
eu poderia fugir do mundo algum dia?
mas agora me leve para casa
leve-me para casa onde eu pertenço
agora me leve para casa
leve-me para casa onde eu pertenço
eu não tenho outro lugar para ir"

*livre tradução da música  Runaway (Aurora) que ela me apresentou
aquecendo e incomodando como uma luva de lã sintética

quinta-feira, 9 de março de 2017

Travessia

Ouvi a campainha tocando, ninguém nunca vem aqui, pensei que pudesse ser você num impulso quase utópico de pedir pra voltar pra casa. Não era, era um ninguém que nunca vem e veio.
Tenho acordado mais cedo do que eu gostaria, de repente meu corpo desperta e eu peço a ele pra que fiquemos, não precisamos acordar agora. Hoje a lágrima escorreu no travesseiro antes mesmo que eu pudesse abrir os olhos direito. Sabe, é difícil demais te ver indo embora pela terceira vez, e o que mais dói é que nenhuma das vezes você realmente foi, eu te vi indo, indo, não te perdi no horizonte antes que você decidisse voltar, mal sabe você o quanto foi, por longo tempo, um desastre olhar pro horizonte. Dessa vez eu estava quase me reconectando com ele, entendendo que você não estava mais no limbo do quase real, que havia acabado, ou que poderia acabar, aquela sensação fantasmagórica. Você estava ali, do meu lado, ainda que com todas as nossas dificuldades, nossos vícios comportamentais, nossas insanidades, ainda assim estávamos decididas a manter as mãos dadas. Eu preciso te dizer isso! Eu preciso muito aparecer no portão da sua casa! Eu preciso muito te ligar até que você atenda e ouça minha voz! Eu preciso sentar na calçada da sua rua e esperar você chegar, sabe-se lá de onde e te levantar num abraço comovente! Eu preciso sussurrar ao pé do teu ouvido que eu amo você, eu amo muito você! Mas eu não posso e isso basta pra que tudo escorra ralo abaixo com a água do chuveiro. Não demorou pra que você acreditasse que há algo de errado em estarmos juntas, e não é tão importante assim o tudo incalculável que as pessoas falem, essas tantas que nunca estiveram no íntimo da nossa dor, o que importa é o que você faz com isso. O que você fez com tudo isso, meu bem?
O que você fez com todas as vezes que os impulsos auto destrutivos foram validados enquanto correr pros braços que te acolhem, te envolvendo em calor de carinho, te parece tão imprudente?
Talvez porque não seja seu esse canto agora, talvez porque perder seja o que você consegue ganhar pra si agora. 

sábado, 4 de março de 2017

04.03.17

O cigarro beirou ao intragável, mas bora fumar, tem que rasgar na mucosa o que tá rasgando na alma. A crise dessa vez não foi de ansiedade, bobeira essa ansiedade toda quando o mundo te chama pra porrada, mas veio a dor no estômago, retorcendo tudo como se quisesse me fazer cair de joelho no chão. Caí de joelhos aos teus pés, e no implorar exorbitante pra que você não fosse embora eu vi você indo sem que ao menos tivesse seu corpo se mexido dali. Tem coisa que não precisa explicar, a gente sente no caos da mente e depois só faz sentido ou só, novamente, se sente.
Não repassar o filme na cabeça, foi o que disseram pra mim num consolo bonito, porém quase intocável. Mas essa frase me pegou, porque foi exatamente isso que eu fiz: refiz cada detalhe da cena em que você foi embora pela segunda vez. O beijo, o amor, o adeus calado de olhos afogados nas lágrimas. Você foi, eu fiquei. E fiquei, e fiquei, e fiquei.
O coquetel de remédios, agora não só pra cabeça mas pro estômago também, foi ação imediata ao chegar em casa, mas o ponto que me fez entrar em stand by por ao menos alguns minutos foi entrar no banho, sentar no chão e me abraçar, sentir minha mão acariciando minha pele e dizendo baixinho: vai ficar tudo bem. Eu não quero pensar no depois, amanhã me parece cruel demais, e saber que o tempo é a única forma de dissolver esse lodo me faz querer estar bem longe de mim mesma. Eu sei o que é sair de casa, eu sei o que é perder um amor.
Fiquei repetindo no banho em voz alta que te perdoo e me perdoo também, freneticamente. Precisei ouvir minha voz dizendo que amor também é possível de longe, que amor é respeitar o tempo de cada coração, e o teu coração precisa se descompassar do meu - eu vou respeitar, meu bem.
Esse vai ser o último texto publicado aqui, ao menos por um tempo, um tempo longo talvez. Eu sei que você vai ler, eu sei que você vai ficar calada mais uma vez, eu sei que não saberei de você ao menos que eu vá atrás de saber. Acho que dessa vez vou ficar por aqui, no chão da sala, sentada na almofada empilhada fumando um cigarro. Vou ficar por aqui ouvindo os miados dos gatinhos e vendo suas peripécias, quem sabe ouvir uma música, ir deitar tarde da noite e talvez por um tempo pensar que era tudo um sonho ruim e que vou acordar e te ter ali do meu lado, nua e doce. Não vai estar e vai doer, e não vai estar de novo, e vai doer, e vai doer, e vai doer.
Eu te pediria mais uma vez pra ficar comigo, eu tentaria te convencer que nosso amor pode nos fazer superar essa bagunça toda, mas eu olhei no mais profundo que eu pude dos teus olhos, eu busquei tudo que eu pude, e não achei o ponto, ainda que obscuro onde você me pedia a mão. Não teve mãos para serem dadas, não teve reconhecimento, me senti desconhecida quase que o tempo todo, e isso me dói. Lembrei também das vezes em que quiseram te proteger de mim como se eu fosse uma ameaça, e eu só conseguia lembrar dos abraços intermináveis, do amparo, dos carinhos das madrugadas, e pensar que nada sabiam aquelas pessoas, ou talvez eu não saiba de nada. Ah, como doeu me sentir uma ameaça à você. E tem dor que cava fundo e você não acha mais pra arrancar ou estancar, só me senti como uma pessoa ruim, que tem cara de pessoa ruim, cheiro de pessoa ruim e amor de pessoa ruim.
Quatro de março de dois mil e dezessete, a noite em que eu vi meu amor escorrer ralo a baixo enquanto a cidade aquecia numa crescente interminável.

quarta-feira, 1 de março de 2017

é carnaval meu corpo inteiro

é final de fevereiro amor, e eu vou, eu vou
a cidade está tão quente
aquecendo numa crescente interminável
o asfalto queima meus pés que me levam pra onde eu não sei se vou
sua voz é tão doce e meu som é dissonante, é inconstante
eu falo tanto e só paro quando é pra te olhar
mas é final de fevereiro e meu caminho não tem mais meu corpo inteiro
eu sei que o fim é recomeço e que março vai durar até janeiro

você fala de amor como quem não vê as horas
eu falo das horas como quem tem medo de amor

me diz em que tempo, em que compasso que a gente dá nó no mesmo passo
e confunde o mundo inteiro com o amornar do nosso abraço,
eu tive tanto medo desse recomeço perdi seu endereço
e me despi das fantasias, não ornei os adereços
e quase me esqueci que aqui é carnaval o ano inteiro
é carnaval o mês inteiro, é carnaval o ano inteiro, é carnaval meu corpo inteiro