sábado, 4 de março de 2017

04.03.17

O cigarro beirou ao intragável, mas bora fumar, tem que rasgar na mucosa o que tá rasgando na alma. A crise dessa vez não foi de ansiedade, bobeira essa ansiedade toda quando o mundo te chama pra porrada, mas veio a dor no estômago, retorcendo tudo como se quisesse me fazer cair de joelho no chão. Caí de joelhos aos teus pés, e no implorar exorbitante pra que você não fosse embora eu vi você indo sem que ao menos tivesse seu corpo se mexido dali. Tem coisa que não precisa explicar, a gente sente no caos da mente e depois só faz sentido ou só, novamente, se sente.
Não repassar o filme na cabeça, foi o que disseram pra mim num consolo bonito, porém quase intocável. Mas essa frase me pegou, porque foi exatamente isso que eu fiz: refiz cada detalhe da cena em que você foi embora pela segunda vez. O beijo, o amor, o adeus calado de olhos afogados nas lágrimas. Você foi, eu fiquei. E fiquei, e fiquei, e fiquei.
O coquetel de remédios, agora não só pra cabeça mas pro estômago também, foi ação imediata ao chegar em casa, mas o ponto que me fez entrar em stand by por ao menos alguns minutos foi entrar no banho, sentar no chão e me abraçar, sentir minha mão acariciando minha pele e dizendo baixinho: vai ficar tudo bem. Eu não quero pensar no depois, amanhã me parece cruel demais, e saber que o tempo é a única forma de dissolver esse lodo me faz querer estar bem longe de mim mesma. Eu sei o que é sair de casa, eu sei o que é perder um amor.
Fiquei repetindo no banho em voz alta que te perdoo e me perdoo também, freneticamente. Precisei ouvir minha voz dizendo que amor também é possível de longe, que amor é respeitar o tempo de cada coração, e o teu coração precisa se descompassar do meu - eu vou respeitar, meu bem.
Esse vai ser o último texto publicado aqui, ao menos por um tempo, um tempo longo talvez. Eu sei que você vai ler, eu sei que você vai ficar calada mais uma vez, eu sei que não saberei de você ao menos que eu vá atrás de saber. Acho que dessa vez vou ficar por aqui, no chão da sala, sentada na almofada empilhada fumando um cigarro. Vou ficar por aqui ouvindo os miados dos gatinhos e vendo suas peripécias, quem sabe ouvir uma música, ir deitar tarde da noite e talvez por um tempo pensar que era tudo um sonho ruim e que vou acordar e te ter ali do meu lado, nua e doce. Não vai estar e vai doer, e não vai estar de novo, e vai doer, e vai doer, e vai doer.
Eu te pediria mais uma vez pra ficar comigo, eu tentaria te convencer que nosso amor pode nos fazer superar essa bagunça toda, mas eu olhei no mais profundo que eu pude dos teus olhos, eu busquei tudo que eu pude, e não achei o ponto, ainda que obscuro onde você me pedia a mão. Não teve mãos para serem dadas, não teve reconhecimento, me senti desconhecida quase que o tempo todo, e isso me dói. Lembrei também das vezes em que quiseram te proteger de mim como se eu fosse uma ameaça, e eu só conseguia lembrar dos abraços intermináveis, do amparo, dos carinhos das madrugadas, e pensar que nada sabiam aquelas pessoas, ou talvez eu não saiba de nada. Ah, como doeu me sentir uma ameaça à você. E tem dor que cava fundo e você não acha mais pra arrancar ou estancar, só me senti como uma pessoa ruim, que tem cara de pessoa ruim, cheiro de pessoa ruim e amor de pessoa ruim.
Quatro de março de dois mil e dezessete, a noite em que eu vi meu amor escorrer ralo a baixo enquanto a cidade aquecia numa crescente interminável.

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