A crise se instaurou, não só a econômica ou a política, não só a social, não só toda essa instabilidade que vemos nas ruas do centro ou nos becos famintos, ela se instaurou na minha mente essa noite. E quando ela se instala aqui o mundo se faz pequeno e meu corpo fica tão grande que chega a ser claustrofóbico. Minha caixa torácica não me acompanha, ela se eleva e se retrai tão rapidamente que a luzinha do radio relógio parece lenta e incômoda.
A cabeça repete tudo, nada é digno de ser pensado apenas uma vez, nenhum pensamento se desfaz, tudo se acumula e dá voltas em mim, como o pássaro preto frenético em volta da minha árvore seca. O primeiro comprimido desce quase a seco : eu preciso que isso pare. O segundo comprimido é um pedido de socorro, e o terceiro se desfaz na boca que nem gosto mais eu consigo sentir.
Adormeço num choro lento, os sonhos me tomam a realidade, eu sonho com tudo. Sonhei contigo e de alguma forma eu sabia que era só um sonho, devo até ter mexido minhas mãos porque eu desejei tanto te trazer pro real, acordar e ver teu semblante sereno mergulhada num sono profundo.
A gente andava pelas ruas e o mundo parecia tão grande, eu lembro dessa simplicidade grandiosa, eu lembro do quanto eu desejei te roubar daqui, que teu sorriso é digno de florescer entre as árvores que beiram as águas de Oxum.
Essa cidade é tóxica para pessoas como nós, e eu não quero mais morrer aqui, eu não quero que essa insanidade consuma minha cabeça, eu quero ter esperança e uma hortinha. E talvez esperança e um punhado de plantas sejam exatamente a mesma coisa.
E estar mais do que apaixonada, minha querida, talvez seja só uma ilusão que a sua mente fértil criou pra ter uma imagem platônica pra se apegar.
Eu ainda queimo, incendeio por tudo aquilo que eu deixei passar, pelas palavras que eu não disse quando eu pude dizer, pelos abraços que eu não me demorei um pouco mais, porque eu amei e hoje eu sei que flores que brotam no asfalto não devem ser pisadas.
Hoje eu paro, olho pra elas e sorrio, é um milagre elas estarem ali. Alguns amores são um fenômeno tão bonito como as flores do asfalto, porém, na mesma proporção a gente passa por cima sem olhar a beleza que é brotar em terra infértil, contrariando a natureza das coisas.
Me arrebenta o coração tentar te entender, tentar compreender porque ir embora enquanto teus olhos dizem tanto sobre querer ficar Me arrebenta o coração distanciar nossos corpos enquanto eles nos pedem que demoremos mais nesse abraço, nesse enlace, nessa fusão de mundos. Ou talvez eu tenha visto flores brotando do asfalto como um oásis, e talvez eu tenha te engolido em efeito placebo, e talvez você tenha sido tão irreal quanto o vapor quente do café recém passado.
E eu não quero passar tanto tempo olhando fixamente para o que não foi, eu prefiro olhar pro céu azulado, tão cheio de nuvens branquinhas dessa tarde de cinco de outubro. O céu é intocável e as nuvens são dissolvíveis, e ainda assim, tão reais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário