Me instiga quem se agrada aos terminais
Há saudade em percurso nos passos
Ainda que naqueles que não tem laços
E a madrugada estrada a fora te leva
Atravessando milhas em partida leve
O tempo se fragmenta nos encontros
E o nosso fez-se nas ondas sonoras
Que no desencontro dos nossos tons
Inventamos o encontro e a despedida
Na velocidade cíclicas dos terminais
O embrulho não pegou o estômago
De súbito teu corpo que me embrulhou
E a noite se calou num beijo longo
Nas melodias compostas e postas
Entregamos nossos corpos ao caos
Da certeza indissolúvel da despedida
Dissolvidas nos fluídos dos poros
Que de certo umedeceram os lençóis
Os lábios e as coxas entrelaçadas
Dissecada, ressecada no terminal.
terça-feira, 30 de maio de 2017
O terminal
quarta-feira, 17 de maio de 2017
Conto de conta que não fecha
Fecha a conta! disse ela, antes que eu terminasse de comer. Não foi a primeira vez que ouvi, foi a segunda.
Talvez tenha sido a primeira vez dela, primeiras vezes são sempre primeiras: nunca saem do teu peito mas são seguidas de segundas, terceiras ou milhares.
Paralisei, ouvi calada as palavras que ressoaram, e antes que eu pudesse adicionar qualquer adjetivo, elas só ressoaram.
Antes de fechar a conta lembrei de quando caminhamos da praia até a pousada que nos hospedamos no último verão. O caminho era azul, acho que ela também era azul, eu queria que nunca tivesse acabado. Sua mão esquerda segurando minha mão direita, não as prendiamos de todo, eram palmas juntas e dedos que se moviam de lá pra cá, num carinho bom, as vezes entrelaçados, as vezes não.
Não nos viamos há uma semana e tê-la junto ao mar e a chuva, entre Iemanjá e Iansã, era de certo uma forma quase mágica de começar o ano. Era dois de janeiro. Ela usou minhas roupas, uma bermuda cinza, uma camiseta larga, meu chinelo azul, e enquanto ela agradecia por emprestar roupas limpas eu respondia em meus pensamentos que tudo do pouco que tenho também é dela. Meu chinelo azul, aquele preferido que meus gatos arranharam por meses, ficou com ela.
Aquela noite eu tive uma crise, passamos parte da madrugada numa sala de convivência, não lembro de muita coisa mas acho que eu estava assustada: ela, o mar, a chuva, a estrada, a cama que eu não conhecia, o amor latejando no peito, o coração inchando até transbordar da xícara de chá, o chá que não tinha. As coisas belas demais podem machucar almas contaminadas pelo concreto e entrar no mar é descarrego, abre tudo.
Eu esqueci a senha do cartão em meio a tantas lembranças, nessa contação de história eu perdi os números. Três vezes bloqueia, lembrei na terceira, não bloqueou.
Paguei a conta, acho que ela pediu um uber, eu não sei, estava de costas pra saída e não olhei. Fiquei e terminei de comer, o sal das lágrimas temperaram a comida insonsa.
Fui embora pra casa a pé, não tinha mais nada de azul e o outono não me pôs em cenas bonitas das noites pelas ruas de Nova Iorque como nos filmes Hollywoodianos.
domingo, 14 de maio de 2017
Amor a margem
sexta-feira, 12 de maio de 2017
7 aos 27
Se aguenta só mais um pouco nesse mundo, eu digo pra mim mesma todo santo dia. Se aguenta só mais algumas horas que logo acalma o peito. E o peito nada faz além de se contorcer numa repetição, como as fitas que rebobinavamos na minha infância.
Eu penso em mim pequenina e eu nunca me vi assim como me vejo hoje, em fragmentos.
Todo tempo alguém me diz que vai passar, e todas as manhãs eu acordo com os olhos marejados. Não há nada de mórbido nisso, é melancólica em estado sólido.
Esses dias a febre me pegou de madrugada, acordei com a roupa encharcado, queira dormir assim mesmo, mas era gelado e o gelado no fogareiro da febre é dor em constância insuportável.
Vejo minha pele sendo rasgada, como uma boneca de pano que a gente abre pra por espuma dentro, pra ela ficar mais bonita e cheia de vida, na tua imensa contradição. Mas se rasgo minha pele, nada entra, só sai. E eu escorro, escorro, escorro, até que a dor termine.
Mas aguento tá só mais um dia, eu digo a mim mesma, que a gente ainda tem que descobrir o lado de lá, e na primeira descoberta, a gente vai: a mulher de 27 de mãos dadas a menina de 7.
quarta-feira, 10 de maio de 2017
Esvaziada de dor e de amor
Senta aqui do meu lado, não olha pra mim, minhas cores estão desbotando pouco a pouco, e de vez em quando me lembra que o chá vai esfriar. Se quiser, segura de leve minha mão, nada pode ser muito forte agora, algo me segura na contradição da dor que se mantém como águas calmas.
Eu também sinto medo da solidão no apartamento quando a noite vem, mas eu não posso ter, e tudo vira uma grande apatia confundida com coragem. Não é só o apartamento que se faz esvaziado, meu olhar também, tudo está indo cada vez mais pro fundo, e na contradição certeira, tudo está tão raso.
Perto da Igreja de Santa Cecília tem uma pequena floricultura, eu queria ter te dado uma flor e ter te convidado para tomar um café no Góes te vendo sem saber o que fazer com a flor na mão. São tantas coisas: a vergonha, a flor, o café, minha mão direita e nossos sorrisos se encontrando no tempo mais presente, um tempo jamais estudado.
São Paulo nem parecia tão caótica, suguei pra dentro de mim toda a caoticidade e cuspi enraivecida por todos os concretos que me cercavam. Eu quase não me vi chorar, tentei achar alguma estrela nesse céu apocalítico, e encontrei uma só, e ela me perguntou se eu sei a diferença entre um planeta e uma estrela, assim, a olho nu. Eu senti medo da resposta e mudei de assunto, nunca consegui perguntar a ela, sigo tentando desvendar por mim mesma o mistério dos astros.
Nada, não é nada demais, o chá já esfriou enquanto eu falava sem parar e te pedia desculpas por falar demais. Sigo desbotando, o vermelho já é pouco, um rosa alaranjado, talvez, até que vire qualquer cor identificável e você já não me reconheça mais, ou até que eu não consiga mais me mexer, e então, eu te peço: não me pinta de vermelho não, me deixa pálida, intacta, esvaziada de dor e de amor.
quinta-feira, 4 de maio de 2017
Doa a quem doer (Ainda que a você)
Nao tenha tempo pra pensar em nós, meu bem.
Distraia a cabeça com qualquer coisa, anda por aí, ande rápido, o mais rápido que puder. Não pare, vai fazer teatro, estudar música, vai pro samba. Mas por favor não pense em nós. Pensa nas coisas todas que você tem que construir, pensa na reputação que você tem a zelar, no silêncio que te acolhe quando alguém te olha em adoração distorcida pela personificação, ou quando falarem pelos cantos, num cinismo velado, sobre as nossas mazelas que hoje, em santa paz, não te acompanham mais. Amém!
Deixa o que doer por aqui, eu vou pensar em nós, eu vou pensar, sentir e vomitar nosso amor, que é pra me saturar de você, que é pra ter overdose de tanto remoer nossos dias, e vou escrever sobre você, sobre a raiva e o amor. Vai doer pra caralho cada lágrima, numa corrosão imprópria pra qualquer corpo que corre sangue quente.
Mas você, vê se esquece a gente, endurece o coração, levanta barricada. E se falar comigo em algum momento, por alguma necessidade momentânea, seja fria como você tão bem sabe ser; endurecer no amor é quase uma arte, e seu mapa não nega, você nasceu pra ser artista. Então o faça, doa a quem doer, ainda que seja a você mesma.
segunda-feira, 1 de maio de 2017
Por bem, se foi
Uma planta na janela
Onde pousa a vista em tela
E por bem você se foi
Uma sombra no infinito
Um discurso tão bonito
A comarca em chamas frias
E por bem você se foi
É no caos que me aconselho
Pouco a pouco no espelho
E por segundos acredito
Que por bem você se foi
Noutras peles me aconchego
Pra esquecer por horas calmas
Que por bem você se foi
Os meus sonhos vem à prazo
Que aqui dentro ainda não foi
Nesse solo prego os olhos
Em suor de mãos que talha
Num sopro de vida que falha
Pra ver em escultura e mágoa
Que por fim você se foi.