Fecha a conta! disse ela, antes que eu terminasse de comer. Não foi a primeira vez que ouvi, foi a segunda.
Talvez tenha sido a primeira vez dela, primeiras vezes são sempre primeiras: nunca saem do teu peito mas são seguidas de segundas, terceiras ou milhares.
Paralisei, ouvi calada as palavras que ressoaram, e antes que eu pudesse adicionar qualquer adjetivo, elas só ressoaram.
Antes de fechar a conta lembrei de quando caminhamos da praia até a pousada que nos hospedamos no último verão. O caminho era azul, acho que ela também era azul, eu queria que nunca tivesse acabado. Sua mão esquerda segurando minha mão direita, não as prendiamos de todo, eram palmas juntas e dedos que se moviam de lá pra cá, num carinho bom, as vezes entrelaçados, as vezes não.
Não nos viamos há uma semana e tê-la junto ao mar e a chuva, entre Iemanjá e Iansã, era de certo uma forma quase mágica de começar o ano. Era dois de janeiro. Ela usou minhas roupas, uma bermuda cinza, uma camiseta larga, meu chinelo azul, e enquanto ela agradecia por emprestar roupas limpas eu respondia em meus pensamentos que tudo do pouco que tenho também é dela. Meu chinelo azul, aquele preferido que meus gatos arranharam por meses, ficou com ela.
Aquela noite eu tive uma crise, passamos parte da madrugada numa sala de convivência, não lembro de muita coisa mas acho que eu estava assustada: ela, o mar, a chuva, a estrada, a cama que eu não conhecia, o amor latejando no peito, o coração inchando até transbordar da xícara de chá, o chá que não tinha. As coisas belas demais podem machucar almas contaminadas pelo concreto e entrar no mar é descarrego, abre tudo.
Eu esqueci a senha do cartão em meio a tantas lembranças, nessa contação de história eu perdi os números. Três vezes bloqueia, lembrei na terceira, não bloqueou.
Paguei a conta, acho que ela pediu um uber, eu não sei, estava de costas pra saída e não olhei. Fiquei e terminei de comer, o sal das lágrimas temperaram a comida insonsa.
Fui embora pra casa a pé, não tinha mais nada de azul e o outono não me pôs em cenas bonitas das noites pelas ruas de Nova Iorque como nos filmes Hollywoodianos.
quarta-feira, 17 de maio de 2017
Conto de conta que não fecha
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