terça-feira, 27 de junho de 2017

Última parte

" Em meio essa corrosão que me envolve, como não ter medo de corroer, pétala por pétala, o canteiro florido que se esconde por detrás dos teus olhos tímidos?"
Junho/2016.

Termino onde realmente comecei, me dispo e me despeço, estou nua e inundada, pronta pro desague.

O projeto "Orgânica saudade - Dasabafo de uma alma em pedaços" foi iniciado pouco antes de meus olhos mergulharem nos teus, e foi nesse mergulho que construí esse universo descrito aqui.
Emergiu de mim, mas sem você não se completa...
Em reticências, à Lana.
Julho/2017.

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Ela

Ela não sente de todo tristeza
São as palavras que não param
E disparam como num rompante
Ela prefere acreditar que ainda há
De alguma forma uma identificação

O caminho se cruza, aqui, acolá
Como há anos atrás, olha pra lá
Ver as palavras perdendo força
É como esmorecer a si mesma
Resistência ainda circunda

E a flor que ela é vai mudando
Num tempinho lerdo, nada calmo
Esperando esse murchar disforme
Onde ninguém possa realmente olhar
Porque talvez não haja nada no olhar.

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Linha do Equador


De certo meus passos mal dados
Fizeram molduras de sal entre nós
De certo o café mal passado
Foi erro contado em excesso de pó
No muro desenho é alívio
Sossego é capricho não pode andar só
Saudade é bicho enjaulado 
Fadado a escorrer o teu corpo em suor


O sol na pupila brilha a sina dessa dor
É luta todo dia embaixo da linha do equador


Entre tuas unhas e dentes
O caos é crescente ao som do motor
Antes que arranque o abrigo
Me deixe o sorriso que não foi amor



terça-feira, 30 de maio de 2017

O terminal

Me instiga quem se agrada aos terminais
Há saudade em percurso nos passos
Ainda que naqueles que não tem laços
E a madrugada estrada a fora te leva
Atravessando milhas em partida leve
O tempo se fragmenta nos encontros
E o nosso fez-se nas ondas sonoras
Que no desencontro dos nossos tons
Inventamos o encontro e a despedida
Na velocidade cíclicas dos terminais
O embrulho não pegou o estômago
De súbito teu corpo que me embrulhou
E a noite se calou num beijo longo
Nas melodias compostas e postas
Entregamos nossos corpos ao caos
Da certeza indissolúvel da despedida
Dissolvidas nos fluídos dos poros
Que de certo umedeceram os lençóis
Os lábios e as coxas entrelaçadas
Dissecada, ressecada no terminal.

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Conto de conta que não fecha

Fecha a conta! disse ela, antes que eu terminasse de comer. Não foi a primeira vez que ouvi, foi a segunda.
Talvez tenha sido a primeira vez dela, primeiras vezes são sempre primeiras: nunca saem do teu peito mas são seguidas de segundas, terceiras ou milhares.
Paralisei, ouvi calada as palavras que ressoaram, e antes que eu pudesse adicionar qualquer adjetivo, elas só ressoaram.
Antes de fechar a conta lembrei de quando caminhamos da praia até a pousada que nos hospedamos no último verão. O caminho era azul, acho que ela também era azul, eu queria que nunca tivesse acabado. Sua mão esquerda segurando minha mão direita, não as prendiamos de todo, eram palmas juntas e dedos que se moviam de lá pra cá, num carinho bom, as vezes entrelaçados, as vezes não.
Não nos viamos há uma semana e tê-la junto ao mar e a chuva, entre Iemanjá e Iansã, era de certo uma forma quase mágica de começar o ano. Era dois de janeiro. Ela usou minhas roupas, uma bermuda cinza, uma camiseta larga, meu chinelo azul, e enquanto ela agradecia por emprestar roupas limpas eu respondia em meus pensamentos que tudo do pouco que tenho também é dela. Meu chinelo azul, aquele preferido que meus gatos arranharam por meses, ficou com ela.
Aquela noite eu tive uma crise, passamos parte da madrugada numa sala de convivência, não lembro de muita coisa mas acho que eu estava assustada: ela, o mar, a chuva, a estrada, a cama que eu não conhecia, o amor latejando no peito, o coração inchando até transbordar da xícara de chá, o chá que não tinha. As coisas belas demais podem machucar almas contaminadas pelo concreto e entrar no mar é descarrego, abre tudo.
Eu esqueci a senha do cartão em meio a tantas lembranças, nessa contação de história eu perdi os números. Três vezes bloqueia, lembrei na terceira, não bloqueou.
Paguei a conta, acho que ela pediu um uber, eu não sei, estava de costas pra saída e não olhei. Fiquei e terminei de comer, o sal das lágrimas temperaram a comida insonsa.
Fui embora pra casa a pé, não tinha mais nada de azul e o outono não me pôs em cenas bonitas das noites pelas ruas de Nova Iorque como nos filmes Hollywoodianos.

domingo, 14 de maio de 2017

Amor a margem


No atrito minucioso da minha pele com a tua, sinto tu'alma nua. 
Nossos poros expelem nossas angústias, 
Posso sentir teus medos escorrendo por meus dedos, 
Teus olhos brandos acendendo labareda 
E teus lábios que mais parecem labirintos 
me tomando em furor pra dentro de ti. 
Me perco, me perco no teu cheiro inebriante, 
na tua respiração que se confunde com a minha, 
no teu pulso que descompassa e me liberta, 
me perco nos teus gemidos líquidos e sólidos.

Teus olhos me enlaçam, me penetram.

Aí floreço, meu bem, no peso do teu corpo sobre o meu. 
Nossos corpos dançam ao som dos uivos e tambores 
de nossa ancestralidade cativa, feito em feitiçaria

enquanto rabisco na atemporalidade 

com meus dedos melados de desejo e docilidade, 
nossas silhuetas disformes por um amor marginal, 
nas margens de um rio de águas cristalinas


protegidas pelas labrys das guerreias celtas,
sob a luz da lua cheia refletida pelo espelho d'ouro de Oxum.


sexta-feira, 12 de maio de 2017

7 aos 27

Se aguenta só mais um pouco nesse mundo, eu digo pra mim mesma todo santo dia. Se aguenta só mais algumas horas que logo acalma o peito. E o peito nada faz além de se contorcer numa repetição, como as fitas que rebobinavamos na minha infância.
Eu penso em mim pequenina e eu nunca me vi assim como me vejo hoje, em fragmentos.
Todo tempo alguém me diz que vai passar, e todas as manhãs eu acordo com os olhos marejados. Não há nada de  mórbido nisso, é melancólica em estado sólido.
Esses dias a febre me pegou de madrugada, acordei com a roupa encharcado, queira dormir assim mesmo, mas era gelado e o gelado no fogareiro da febre é dor em constância insuportável.
Vejo minha pele sendo rasgada, como uma boneca de pano que a gente abre pra por espuma dentro, pra ela ficar mais bonita e cheia de vida, na tua imensa contradição. Mas se rasgo minha pele, nada entra, só sai. E eu escorro, escorro, escorro, até que a dor termine.
Mas aguento tá só mais um dia, eu digo a mim mesma, que a gente ainda tem que descobrir o lado de lá, e na primeira descoberta, a gente vai: a mulher de 27 de mãos dadas a menina de 7.

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Esvaziada de dor e de amor

Amor, prepara um chá de camomila com hortelã pra mim essa noite que mal consigo me levantar daqui. Ainda que aqui pareça tão vazio, ainda assim está morno e a lua redonda me prende na janela.
Senta aqui do meu lado, não olha pra mim, minhas cores estão desbotando pouco a pouco, e de vez em quando me lembra que o chá vai esfriar. Se quiser, segura de leve minha mão, nada pode ser muito forte agora, algo me segura na contradição da dor que se mantém como águas calmas.
Eu também sinto medo da solidão no apartamento quando a noite vem, mas eu não posso ter, e tudo vira uma grande apatia confundida com coragem. Não é só o apartamento que se faz esvaziado, meu olhar também, tudo está indo cada vez mais pro fundo, e na contradição certeira, tudo está tão raso.
As ruas são sempre as mesmas, os passos também, tampouco me importa caminhas metros ou quilometros, o que realmente me dói é acordar. Quando abro os olhos sinto meu corpo se partindo em vários pedaços, meus ossos doem, meu coro cabeludo dói, meu coração sente o frio incomodo que entra daquela janela que ficou aberta quando a ventania que antecede a tempestade inesperada chega.
Minhas guias continuam penduradas no quadro de recados pendurado na parede verde, assim como aqueles papéis inúteis, e o lembrete dos remédios que preciso tomar. Sempre esqueço a quantidade e acabo confundindo, dois de manhã, um a noite, e se não olho pro quadro logo estou tomando apenas doses de você.
Perto da Igreja de Santa Cecília tem uma pequena floricultura, eu queria ter te dado uma flor e ter te convidado para tomar um café no Góes te vendo sem saber o que fazer com a flor na mão. São tantas coisas: a vergonha, a flor, o café, minha mão direita e nossos sorrisos se encontrando no tempo mais presente, um tempo jamais estudado.
É estranho como sempre estivemos tão perto e tão imersas em nós todas as vezes em que estivemos juntas. Nada nos roubou nem um pouquinho de nós enquanto nos mantivemos de mãos dadas. Fomos intactas numa ligação inexplicável entre o amor e a terra. E então, antes que o ponteiro do relógio nos dissesse que era hora de nos encontrarmos, que precisavamos estancar o sangue que escorria sem que nem ao menos prestássemos atenção, antes que o ponteiro do relógio da Igreja de Santa Cecília soasse alguma meia dúzia de horas, eu pude sentir o vento gelado, e a despedida velada -  como eu odeio as coisas veladas- e a turbulência do avião: eu pude estar nas nuvens logo após penetrar teus olhos numa euforia jamais sentida antes. Eu apertei tuas mãos dentro do carro, e horas depois eu apertei o cinto, como me ordenou gentilmente a comissária de bordo. Estive entre as nuvens, pairando no ar, com enormes turbinas mantendo tudo sob controle.
São Paulo nem parecia tão caótica, suguei pra dentro de mim toda a caoticidade e cuspi enraivecida por todos os concretos que me cercavam. Eu quase não me vi chorar, tentei achar alguma estrela nesse céu apocalítico, e encontrei uma só, e ela me perguntou se eu sei a diferença entre um planeta e uma estrela, assim, a olho nu. Eu senti medo da resposta e mudei de assunto, nunca consegui perguntar a ela, sigo tentando desvendar por mim mesma o mistério dos astros.
Nada, não é nada demais, o chá já esfriou enquanto eu falava sem parar e te pedia desculpas por falar demais. Sigo desbotando, o vermelho já é pouco, um rosa alaranjado, talvez, até que vire qualquer cor identificável e você já não me reconheça mais, ou até que eu não consiga mais me mexer, e então, eu te peço: não me pinta de vermelho não, me deixa pálida, intacta, esvaziada de dor e de amor.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Doa a quem doer (Ainda que a você)

Nao tenha tempo pra pensar em nós, meu bem.
Distraia a cabeça com qualquer coisa, anda por aí, ande rápido, o mais rápido que puder. Não pare, vai fazer teatro, estudar música, vai pro samba. Mas por favor não pense em nós. Pensa nas coisas todas que você tem que construir, pensa na reputação que você tem a zelar, no silêncio que te acolhe quando alguém te olha em adoração distorcida pela personificação, ou quando falarem pelos cantos, num cinismo velado, sobre as nossas mazelas que hoje, em santa paz, não te acompanham mais. Amém!
Deixa o que doer por aqui, eu vou pensar em nós, eu vou pensar, sentir e vomitar nosso amor, que é pra me saturar de você, que é pra ter overdose de tanto remoer nossos dias, e vou escrever sobre você, sobre a raiva e o amor. Vai doer pra caralho cada lágrima, numa corrosão imprópria pra qualquer corpo que corre sangue quente.
Mas você, vê se esquece a gente, endurece o coração, levanta barricada. E se falar comigo em algum momento, por alguma necessidade momentânea, seja fria como você tão bem sabe ser; endurecer no amor é quase uma arte, e seu mapa não nega, você nasceu pra ser artista. Então o faça, doa a quem doer, ainda que seja a você mesma.

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Por bem, se foi

Uma planta na janela
Onde pousa a vista em tela
E por bem você se foi
Uma sombra no infinito
Um discurso tão bonito
A comarca em chamas frias
E por bem você se foi
É no caos que me aconselho
Pouco a pouco no espelho
E por segundos acredito
Que por bem você se foi
Noutras peles me aconchego
Pra esquecer por horas calmas
Que por bem você se foi
Os meus sonhos vem à prazo
Que aqui dentro ainda não foi
Nesse solo prego os olhos
Em suor de mãos que talha
Num sopro de vida que falha
Pra ver em escultura e mágoa
Que por fim você se foi.

terça-feira, 25 de abril de 2017

Vísceras

Eu estou te perdendo dentro de mim, você está se enfiando entre meus órgãos internos, em algum deles que ainda não aprendi o nome e que não poderei expelir, nem mesmo com todos os dedos na garganta. Hoje seria um dia importante: dois meses que o cactos está vivo comigo, acho que fui melhor com ele do que comigo mesma, ainda que o regando poucas vezes na semana.
Olho pra esse mar de flores desenhados no acolchoado que forra a cama que achei que dividiria contigo mais vezes do que pude e me perco. Já te contei como gosto das cores que as compõe?
Se há algo que eu gostaria de me desculpa hoje, apenas por hoje, é por ter tirado tua escova de dentes da pia do banheiro. Eu não a joguei no lixo como há um mês atrás, eu guardei na gavetinha, porque eu não podia mais deixá-la ali. Dessa vez, eu juro, não é pela esperança arraigada de que você volte, não, não precisa voltar dessa vez, mas eu só não quero jogar nada fora. Eu não posso fazer isso comigo.
Nada tem me feito chorar, tudo tem passado rápido demais a minha volta, acho que porque tenho passado muito tempo nos transportes público e pelas janelas o mundo realmente voa. Acho que era isso que eu precisava: voar! Ainda que apenas pelas janelas medíocres de um automóvel.
Eu sinto medo desse medo que não estou sentindo. Nada, baby, nada tem me arrastado pra lugar nenhum, nem pra saudade, nem pro desprezo. Me sinto ausente de nós e isso não é nenhum pouco confortável.
Eu sei que você teria ficado mais um pouco se eu tivesse insistido, mas de que adiantaria? Eu não aguentaria insistir mais uma vez pra que você me levasse contigo. Porque acho que o que pouco conseguimos entender é que eu não quis te pedir, de todo, pra que você ficasse, mas pra que me chamasse pra ir contigo, pra qualquer lugar.
Eu não aguentaria pressionar teus dedos mais uma vez para que não soltasse, pouco a pouco, minha mão. Isso diz muito sobre nós.
Ainda não posso olhar nos teus olhos, e a certeza disso é como trair a mim mesma, logo eu, que desejei teus olhos todas as vezes mesmo que para te ver fugindo de mim pra dentro do teu universo profundo e distante.
E de tudo que me sobra nessa madrugada que já levou embora o dia 25, eu só gostaria de ficar com a certeza, ou ao menos com a sensação de que te fiz mais feliz do que qualquer coisa que seja contrária a felicidade. Mas não, meu bem, eu sinto exatamente o contrário, eu devastei aquilo que era pra ser no seu tempo te afogando, ainda que na tentativa angustiante de te salvar.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Tempos

Por algum tempo ainda pensaremos nos nossos tempos: 15 horas você vai, volta umas 19, às vezes não volta. Eu vou umas 14, fico meio aqui meio lá.
Agora, 22:30 é meu alívio imediato, cravado no relógio do ponto!
Tem outros tempos também: minha hora de dormir, quase 3:00 am. Você sempre dorme primeiro. Eu sempre acordo primeiro.
Depois o relógio vai mudando seu curso, vai parecer correr de trás pra frente, e outros tempos virão.
Só que tem tempo que finca na alma: 4 de junho, já passava da meia noite, 6 de junho, foi a tarde de chuva que me perdi no tempo e nos teus olhos, 25 de outubro, demos nome ao amor que latejava.
19 de abril, 19:19, uma flor murchando no peito, dois amuletos de proteção, e uma memória indissolúvel.
(Vai ser no gerúndio enquanto estiver indo)

Rosa

Eu vi uma menininha no ônibus
Os olhos dela eram castanhos
Daqueles bem claros e profundos
Acho que eu fui essa menina um dia
O céu estava azul turquesa
Nada tirava seu olhar daquele azul
Acho que já fui esse olhar livre
Tudo passou rápido pela janela
Menos aquela imensidão azul
Abril se abre calmo pro outono
E nessa calma de chá de hortelã
Vou abrir meu coração pra garotinha
Minha pequena, pra por no colo.

À ela, de sobrenome Rosa.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

A neblina

Eu lembro quando ainda era complicado, pra dizer no mínimo, puxar seu olhar pro meu, você sempre fugia. Eu nunca soube exatamente porque mas eu precisava que você entrasse por essa porta e sentisse a tempestade que mora dentro de mim.
Lembrar dessa fuga, dessa sensação, é a única coisa que me emociona hoje. É que hoje o silêncio me pertence, e eu o dominei com as unhas, ele não me assusta.
Eu lembro de você indo embora, me deixando aos pedaços por tantos lugares, e eu fui ficando fragmentada,  em prantos, sentada em pisos frios, no chão de um bar, numa praça descuidada, no trânsito da metrópole, numa cadeira dobrável sempre segurando o choro, o grito, o caos. E quantas vezes, ao me querer de volta, ao me amar de novo, você me pediu: "não segura o choro, meu bem".
Realmente, eu não sei não segurar o choro, e tudo vai inchando, calando, minguando, até escoar em sangue.
E você me pede pra me deixar cair em teus braços, que é pra eu deixar você me cuidar, mas você deixou meus pedaços por aí e nunca voltou pra buscar. Você se surpreenderia com o quão menos eu falo hoje, e ontem me arrancou o fôlego quando abri a janela e vi a neblina tomando conta de tudo a minha vista, aquilo era silencioso, não esse silêncio que quase explode teu peito, não esse vazio tão cheio de retidão comprimindo a imensidão das palavras, calando o caos em busca de paz. O orvalho nas folhas das plantas, os vidros escorrendo em gotas, os feixes de luzes amarelos dos postes da minha rua, o breu, aquilo sim era vazio. E eu saí na sacada, era tudo neblina, nada se via, apenas vultos, era lindo e calmo. Arrisco dizer que o medo te tomaria pelos pés, e meus pés foram levados para o chão frio e úmido, umedeceu tudo por fora, secou tudo por dentro. Depois de um cigarro que queimou rápido demais eu deixei o olhar vagando por aí, sem esperar mais nada. O universo é esse vasto caos em sincronicidade, porque eu seria diferente?
A saudade, ainda latente, não é mais minha maior companhia, e sim as respostas pras perguntas que eu nunca fiz.
Não cabe mais em mim espaço pra despedidas.

domingo, 16 de abril de 2017

Constelações de poeira

eu achei que eu iria precisar falar contigo, e o que eu preciso é escrever poesia,engasgar com a poesia que você não ouviu, tropeçar na poesia que está amarrada no meu tornozelo,me perder na poesia que eu desenhei em cima das coordenadas do meu mapa natal.
Que enquanto você trazia a tona por meus olhos aquelas águas salgadas eu deitava minha cabeça no colo da mãe de águas doce.
Afago é o entrelaço dos dedos, seja nos outros dedos, seja nos fios de cabelo.
Eu preciso do eco da poesia, microfonada, porque não? 
No salão quase esvaziado, os olhos cerrados e o peito inflado. 
Alguém precisa ouvir das costuras que incomodam no jeans, alguém precisa ouvir sobre a inflamação dos tendões ou sobre a privatização dos sonhos cativos.
Eu achei que eu precisava te explicar sobre a sensação da lâmina rasgando a pele, e da anestesia da massa encefálica (é possível?).Eu preciso cantar poesia, suar poesia,despoetizar a poesia, germinar, fermentar, deixar mofar, criar vida podre e suspender tudo no eco do vão do mundo,na fenda por onde entra a solidão e os feixes de luz. Era poeira, mas eu vi constelações. E nada disso é sobre amor, nem sobre dor.

terça-feira, 11 de abril de 2017

140 e pouco

Eu não consigo sentir meu lado certo de você porque você é só uma sugestão, e tudo que eu te der vai ficar suspenso num universo sobre nossas cabeças enquanto eu fico tentando encontrar o chão.
O cigarro entre os dedos não faz mais sentido, de uma hora pra outra. Parece que tudo insiste em ser assim, ou eu não consigo perceber que vai esvaindo, minha mente fixa em outras coisas enquanto algo vai embora, e quando eu saio da fixação, já foi.
Os dias sem você não são mais tão difíceis como antes, hoje me arrancam em agonia os dias em que não consigo me encontrar em lugar algum, e então eu choro, desesperadamente, eu choro, porque é a única forma que eu sei de encontrar um pedaço orgânico de mim mesma. 
Tenho pensado em mudar pra uma casa menor, menos tudo, menos desse meu ego que me infla e parece que vai tomar conta de tudo. Eu gostaria de menos, e isso ainda é tão abstrato. Os móveis da sala estão no mesmo lugar há mais de dois anos, desde que entrei e depois de todas as pessoas que entraram e saíram, com ou sem mim, depois de todos os amores que se criaram aqui, depois da morte anteposta embaixo do sofá da sala, onde depois só ficou o vulto da minha fértil imaginação.
Microscopicamente gotas de sangue ainda estão ali, não tenho dúvidas disso. Porque eu teria? Não é sangue de morte, nem de quem arranca casquinha de machucados, é sangue de vida pulsante, escorrendo pelos poros, pulando pra fora por todos os orifícios. BPM 140, olhos vidrados e sangue microscópico no chão de madeira da sala de estar. Isso, meu bem, você nunca vai entender realmente.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Três da manhã

Três horas dá manhã é o meu horário
Ela sabe disso, soube antes de mim.

Essa hora a saudade grita,
In my brain
Às três eu confundo tudo
Eu peço perdão, em vão
Melhor seria estar em pele
Ou melhor em casa
Aqui eu tô nas miragens
Daquilo que nem teria sido
You dont know me - I Said
Meio assim engasgado
Essa era hora que a hora sumia

A dor ficou, não é dor todavia
E a rodovia eu deixei pra depois
El tiempo esta despues, corazon
É a fumaça que mede o desgaste
E você falando dos meus olhos
E eu acreditando que você ficaria
Eu nem fumaça tinha, tudo vinha

A sina é sempre ir andando
Mesmo que eu insista em deixar
Restos de chá ou de café nas xícaras

dançando na cozinha

a forma como o tempo se desfaz e se refaz me intriga
ele pode se retorcer ou nos consertar, tudo ali
olho para você e penso nas manhãs de outono
aquele sol que é arrebentado pelo gelado
eu gosto da sua rua e até já deitei nela no meio da madrugada
você estava tão perto e ao mesmo tempo tão longe
o real me parece um pedaço do tempo que não existe
busco minha vida inteira a realidade nua e crua
aprendi que é mais esperto te ver nua ao meu lado
teu corpo me prendendo sem que ao menos eu o toque
algumas coisas são inexplicáveis, ainda bem...
ontem dançamos no piso frio da cozinha
e eu me senti aquecendo, algo que vinha do ventre
a solidão dá medo quando percebo que é hora de partir
sinto o seu coração acelerando pouco a pouco
em doses homeopáticas e ganhando o mundo
não há nada que fevereiro não cure e eu posso esperar
mas se você ficar podemos dançar no piso frio da cozinha
andamos juntas distraidamente do mundo oxigenado
ainda que eu não durma a noite inteira e sinta dor
eu me refaço na atemporalidade de te ver acordar
e ainda vou aprender a andar de bicicleta
que aí eu atravesso a cidade, ou talvez um quarteirão
só pra te convidar pra dançar, e se for demais pra você
quem sabe pode ser só, e tanto, pra entrar num abraço balançado

quarta-feira, 15 de março de 2017

Alguém fez disso uma enorme ilusão

Os processos já foram muitos;
vesti o casado de lã que era da minha avó, na verdade eu nem tenho certeza se era dela.
não tive medo de acessar o que me fez urrar durante o orgasmo, eu só deixei emergir. Chorei num exorcismo honesto demais pra que qualquer pessoa pudesse ver.Pouco tempo, senti como se um líquido espesso saísse por meus poros. Doeu, mas foi. Talvez agora seja só atadura, não mais estanque. Gozei no chão da sala, orgasmos nem sempre são pra sentir prazer, às vezes é pra sentir o corpo expelindo sem que haja controle do que sai de dentro. Tudo se contrai e num descontrair abrupto pude ver minha alma sendo expurgada em partículas até o teto e voltando a me preencher naquilo que precisa ficar. Doeu, mas foi. As cartas do tarot dizem que você não vai entender o que eu digo, que sua mente está presa num vórtice de ilusão, então deixa ser ilusão, não acho que fui muito diferente quando nos criei em mim.
O problema são as lembranças, que apesar de eu sempre esquecer o que eu digo, nada me desliga do que é visual e tátil, desde tão novinha. ''Canta baixinho pra me ajudar a dormir'', no começo eram sussurros tão pouco audíveis, pouco a pouco eu fui ouvindo cada variação da tua voz, até me acostumei com seu medo de imperfeição no cantar de ninar que te fazia recompor a voz como quem canta pra um teste e não pra um amor. Eu nunca tive medo de você ou do seu amor, eu tive medo do seu medo, e eu tentei acolhê-lo para que ficasse aqui perto, onde eu pudesse vê-lo. Mas ele te tomou e eu nem vi, ele escorreu por entre meus dedos e minha mania de manter tudo sob controle, e eu nem vi.
Agora ele está aí, instaurado, consumindo tudo que pro lado de cá é preciosidade. Deve estar mesmo muito difícil estar sozinha deixando os sentimentos e os pensamentos em sua cabeça como num pote de conserva. Os detalhes, dessa vez, eu vou guardar pra mim e a raiva eu vou dissecar, guardar embaixo da minha cama até que eu possa me desfazer dela. Não vou parar no nosso tempo, em alguma dimensão você compreendeu meus traumas e me acolheu em seus braços, em alguma outra eu os superei até que você não tivesse que acolhê-los, mas aqui, nessa, meus traumas te acuaram e eu fiquei sozinha com toda a sujeira a minha volta, sem entendimento, sem acolhimento. E em alguma fenda temporal entre o agora e o daqui a pouco eu pude compreender que eles não são seus, são meus e que meu dever é recolher meus cacos e cuidar deles como deve ser.
Não espero mais resposta porque já não as tive por tempo demais, mas ainda me indigno quando me permito, ainda mantenho a testa franzida e os lábios apertados quando sinto raiva. São doze dias, e apesar de não gostar de saber as horas quando estou contigo, eu gosto de contabilizá-las quando não estou, até o dia em que não estar será morno e olhar o relógio parecerá um apanhado de número enfileirados. Dessa vez não há quem diga que meu processo está errado, pelo simples fato de não haver pessoas e isso é tão duramente amoroso, quando se percebe que a solidão não escolhida pode transformar-se em solitude, ainda que por poucos instantes. Desisti de manter a estabilidade como ponto de referência, dói demais, porque eu sei que ainda não sei ser quieta e que gritar por vezes me acalma, só não lacero meu corpo mais, por hora, e talvez pelas próxima muitas.
Minha mãe tem medo quando me vê triste assim, eu tenho medo quando me vejo triste assim, e a escova de dentes laranja já foi pro lixo, e o lixo já foi pra fora do apartamento, pouco a pouco vou me desfazendo e deixando numa gavetinha só que eu sei que não vai doer se ficar. Mas meus olhos doem, minhas bochechas doem, meus braços ainda doem, e a cabeça eu já nem sinto.
Quando foi que eu desisti de me manter segura e me abri assim? Porque foi que eu achei que estaríamos seguras em algum lugar?

" Também achei que o amor tinha muito menos mutação que um plátano, e agora fico aqui sentada na fazendo assistindo a mudança das estações. Alguém fez disso uma enorme ilusão, e olha que nem sei o que é a morte, my bad or my luck"

terça-feira, 14 de março de 2017

Not for her

Eu sempre sento no mesmo lugar no metrô, fico na janela vendo o concreto passar numa velocidade que até parece que tá tudo parado. Acho que isso diz muito sobre minha própria cabeça.
Me disseram que eu tenho que ser mais positiva, pensar no que a vida tem de bom, essa coisa toda que ensinam nos livros de auto ajuda. Quem sabe não seja esse o clichê que me falta?
Eu sinto raiva, muito mais vezes do que eu admito sentir. É que o sorriso no rosto parece mais admissível no caminhar do dia a dia. Eu sinto o dia a dia me carregando arrastada no asfalto, e numa confusão indescritível muitas vezes parece que estou de trás pra frente.
Eu sinto raiva da instabilidade que me toma como uma tormenta, da sensação de completude que d'uma hora pra outra me arranca as viceras, eu sinto raiva de saber que não há como fugir de mim como insiste a canção que toca em looping nos meus fones de ouvido. Eu queria partir daqui mas me parece mais cômodo colocar a responsabilidade no meu mapa astral tão cheio de terra, que me aterra, melhor seria ser ar como diz meu signo solar.
Sinto hoje que preciso falar mais de mim, e talvez na hora do jantar me tome por completo os pensamentos intrusivos de que ela é o pensamento inevitável.
Não quero chegar a conclusão de que não há nada que eu possa fazer comigo mesma, porque no final das contas, não há nada que eu possa fazer com a ideia de que não há nada a fazer. Tudo que eu fiz no último ano foi achar algum meio de me anestesiar, mesmo que com a contradição de estar sempre tão intensa no mundo. Meu grande amor insiste em ser grande mesmo nas palavras que detesto ouvir. Eu detesto que ela tenha razão quando fala das cartas de tarot, quando fala sobre ser pra dentro e não pra fora, sobre morrer pra nascer de novo, sobre a subjetividade do estar enquanto a concretude da metrópole me engessa.
Ainda acho que somos pássaros de asas quebradas, todas somos, as marginais, as inquietas, e nossos amores são castrados todas as manhãs quando acordamos. A cada esquina alguém vai me olhar como escória, e tudo que carrego comigo é a certeza de que faço do meu mundo um mundo mais inteiro por amar mulheres, mas carrego também minha guia de proteção e hora ou outra uma garrafa de vidro quebrada. Eu nunca sei se vou voltar pra casa ou como. Não vou negar, num apêndice desse que seria um escrito só meu: eu gostaria de voltar pra casa contigo e saber que vencemos mais um dia.
Acho que carrego muita coisa e preciso deixar um pouco dessa bagagem pra trás, sentir os ombros mais leves e os braços mais fortes.
Se o mundo parece esquecer... Então eu esquecerei também. E se não sei, não há nada que me impeça de aprender.

sábado, 11 de março de 2017

Alma que menstrua

É como cólica menstrual

contrai
retorce
expulsa
expurga

E quando o tempo leva a dor
Parece que o mundo se encolhe
Num amornar bruto te acolhe
Só se sente a ausência da dor

sexta-feira, 10 de março de 2017

Runaway




"E eu estava correndo pra longe
eu poderia fugir do mundo algum dia?
mas agora me leve para casa
leve-me para casa onde eu pertenço
agora me leve para casa
leve-me para casa onde eu pertenço
eu não tenho outro lugar para ir"

*livre tradução da música  Runaway (Aurora) que ela me apresentou
aquecendo e incomodando como uma luva de lã sintética

quinta-feira, 9 de março de 2017

Travessia

Ouvi a campainha tocando, ninguém nunca vem aqui, pensei que pudesse ser você num impulso quase utópico de pedir pra voltar pra casa. Não era, era um ninguém que nunca vem e veio.
Tenho acordado mais cedo do que eu gostaria, de repente meu corpo desperta e eu peço a ele pra que fiquemos, não precisamos acordar agora. Hoje a lágrima escorreu no travesseiro antes mesmo que eu pudesse abrir os olhos direito. Sabe, é difícil demais te ver indo embora pela terceira vez, e o que mais dói é que nenhuma das vezes você realmente foi, eu te vi indo, indo, não te perdi no horizonte antes que você decidisse voltar, mal sabe você o quanto foi, por longo tempo, um desastre olhar pro horizonte. Dessa vez eu estava quase me reconectando com ele, entendendo que você não estava mais no limbo do quase real, que havia acabado, ou que poderia acabar, aquela sensação fantasmagórica. Você estava ali, do meu lado, ainda que com todas as nossas dificuldades, nossos vícios comportamentais, nossas insanidades, ainda assim estávamos decididas a manter as mãos dadas. Eu preciso te dizer isso! Eu preciso muito aparecer no portão da sua casa! Eu preciso muito te ligar até que você atenda e ouça minha voz! Eu preciso sentar na calçada da sua rua e esperar você chegar, sabe-se lá de onde e te levantar num abraço comovente! Eu preciso sussurrar ao pé do teu ouvido que eu amo você, eu amo muito você! Mas eu não posso e isso basta pra que tudo escorra ralo abaixo com a água do chuveiro. Não demorou pra que você acreditasse que há algo de errado em estarmos juntas, e não é tão importante assim o tudo incalculável que as pessoas falem, essas tantas que nunca estiveram no íntimo da nossa dor, o que importa é o que você faz com isso. O que você fez com tudo isso, meu bem?
O que você fez com todas as vezes que os impulsos auto destrutivos foram validados enquanto correr pros braços que te acolhem, te envolvendo em calor de carinho, te parece tão imprudente?
Talvez porque não seja seu esse canto agora, talvez porque perder seja o que você consegue ganhar pra si agora. 

sábado, 4 de março de 2017

04.03.17

O cigarro beirou ao intragável, mas bora fumar, tem que rasgar na mucosa o que tá rasgando na alma. A crise dessa vez não foi de ansiedade, bobeira essa ansiedade toda quando o mundo te chama pra porrada, mas veio a dor no estômago, retorcendo tudo como se quisesse me fazer cair de joelho no chão. Caí de joelhos aos teus pés, e no implorar exorbitante pra que você não fosse embora eu vi você indo sem que ao menos tivesse seu corpo se mexido dali. Tem coisa que não precisa explicar, a gente sente no caos da mente e depois só faz sentido ou só, novamente, se sente.
Não repassar o filme na cabeça, foi o que disseram pra mim num consolo bonito, porém quase intocável. Mas essa frase me pegou, porque foi exatamente isso que eu fiz: refiz cada detalhe da cena em que você foi embora pela segunda vez. O beijo, o amor, o adeus calado de olhos afogados nas lágrimas. Você foi, eu fiquei. E fiquei, e fiquei, e fiquei.
O coquetel de remédios, agora não só pra cabeça mas pro estômago também, foi ação imediata ao chegar em casa, mas o ponto que me fez entrar em stand by por ao menos alguns minutos foi entrar no banho, sentar no chão e me abraçar, sentir minha mão acariciando minha pele e dizendo baixinho: vai ficar tudo bem. Eu não quero pensar no depois, amanhã me parece cruel demais, e saber que o tempo é a única forma de dissolver esse lodo me faz querer estar bem longe de mim mesma. Eu sei o que é sair de casa, eu sei o que é perder um amor.
Fiquei repetindo no banho em voz alta que te perdoo e me perdoo também, freneticamente. Precisei ouvir minha voz dizendo que amor também é possível de longe, que amor é respeitar o tempo de cada coração, e o teu coração precisa se descompassar do meu - eu vou respeitar, meu bem.
Esse vai ser o último texto publicado aqui, ao menos por um tempo, um tempo longo talvez. Eu sei que você vai ler, eu sei que você vai ficar calada mais uma vez, eu sei que não saberei de você ao menos que eu vá atrás de saber. Acho que dessa vez vou ficar por aqui, no chão da sala, sentada na almofada empilhada fumando um cigarro. Vou ficar por aqui ouvindo os miados dos gatinhos e vendo suas peripécias, quem sabe ouvir uma música, ir deitar tarde da noite e talvez por um tempo pensar que era tudo um sonho ruim e que vou acordar e te ter ali do meu lado, nua e doce. Não vai estar e vai doer, e não vai estar de novo, e vai doer, e vai doer, e vai doer.
Eu te pediria mais uma vez pra ficar comigo, eu tentaria te convencer que nosso amor pode nos fazer superar essa bagunça toda, mas eu olhei no mais profundo que eu pude dos teus olhos, eu busquei tudo que eu pude, e não achei o ponto, ainda que obscuro onde você me pedia a mão. Não teve mãos para serem dadas, não teve reconhecimento, me senti desconhecida quase que o tempo todo, e isso me dói. Lembrei também das vezes em que quiseram te proteger de mim como se eu fosse uma ameaça, e eu só conseguia lembrar dos abraços intermináveis, do amparo, dos carinhos das madrugadas, e pensar que nada sabiam aquelas pessoas, ou talvez eu não saiba de nada. Ah, como doeu me sentir uma ameaça à você. E tem dor que cava fundo e você não acha mais pra arrancar ou estancar, só me senti como uma pessoa ruim, que tem cara de pessoa ruim, cheiro de pessoa ruim e amor de pessoa ruim.
Quatro de março de dois mil e dezessete, a noite em que eu vi meu amor escorrer ralo a baixo enquanto a cidade aquecia numa crescente interminável.

quarta-feira, 1 de março de 2017

é carnaval meu corpo inteiro

é final de fevereiro amor, e eu vou, eu vou
a cidade está tão quente
aquecendo numa crescente interminável
o asfalto queima meus pés que me levam pra onde eu não sei se vou
sua voz é tão doce e meu som é dissonante, é inconstante
eu falo tanto e só paro quando é pra te olhar
mas é final de fevereiro e meu caminho não tem mais meu corpo inteiro
eu sei que o fim é recomeço e que março vai durar até janeiro

você fala de amor como quem não vê as horas
eu falo das horas como quem tem medo de amor

me diz em que tempo, em que compasso que a gente dá nó no mesmo passo
e confunde o mundo inteiro com o amornar do nosso abraço,
eu tive tanto medo desse recomeço perdi seu endereço
e me despi das fantasias, não ornei os adereços
e quase me esqueci que aqui é carnaval o ano inteiro
é carnaval o mês inteiro, é carnaval o ano inteiro, é carnaval meu corpo inteiro

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Roda gigante

A gente falou poucas vezes sobre o depois. Lembro da primeira vez que balbucilhamos algo do tipo; eu deitada na sua cama, ambas olhavamos pro teto, o remédio já corria em minhas veias, o teto parecia alto demais e acho que as palavras só causaram mais transtorno quando falamos, bem mais pra frente, sobre a nossa casa. ''A palavra namoro é pesada demais pra você?'' Sei que era, sei que era novo e grande demais, mas não lembro das tuas palavras. A sensação de conforto que me trazia quando eu dormia contigo era o suficiente pra acreditar em tudo que nos rodeava. Assim como o medo, my dear. Suas mãos me buscando no cair da madrugada, meus olhos delineando sua silhueta nas noites de insônia, meu amor transbordando, escorrendo por minhas coxas.
Se tem algo que nunca sairá das minha corrente sanguínea além das toxinas farmacológicas é o amor que sinto por você, e que talvez um dia eu conjugarei no passado.
Eu tenho inúmeras lembranças da avenida paulista, meu primeiro amor se fez nos bares por aqui. A riqueza calculada em bilhões, os turistas mal informados - aliás, quem pode querer conhecer São Paulo? - num andar deslumbrado a fotografar tudo, como um cartão postal.
Fazia frio quando te vi pela primeira vez, a fumaça que saia da sua boca instigante não era só da baixa temperatura, e ainda não é, e olha que estamos vivendo o carnaval dos trópicos. Fevereiro, honey, fevereiro.
Me agrada a sonoridade dos carinhos em inglês: talvez, dialogando com o poema da poeta portuguesa, seja mais fácil qualquer coisa numa língua estrangeira.
Minha cabeça não está um turbilhão como eu sempre digo, agora é quebra-mar, bate com força nas pedras porque tem que ser, porque assim é, porque sim e ponto. Os respingos d'água salgada é alivio pros pés que até então queimavam no asfalto.
Ah, como eu odeio o asfalto! Como eu odeio essa sensação da despedida escolhida. Como me irrita minha coleção de indagações, não duvido que à você também.
Eu sinto fome, e não é de comida, e não é de doce, não é de corpo, não é de mãos, nem de pão na chapa do café da manhã...Eu sinto fome de mim.
Busco incessantemente por mim e não lembro onde me perdi, a verdade é que quis crer que me encontraria nos teus olhos castanhos, escrever que não me encontrei neles ou em qualquer outro é continuar, e já sinto minhas pernas tão cansada.
Eu queria olhar a cidade contigo numa roda gigante. Quando a dor passar, você vem comigo?

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

dificuldade

está ficando muito difícil, amor
foi o que eu disse a ela essa noite
o dia se arrastou dentro de mim
quase pro fim distraí com meu irmão
falamos sobre música, minhas, dele
só ficamos sentados no sofá da sala
e ali eu senti saudades de nós
e ali eu senti uma saudade calada
da minha história toda da minha pele
está ficando muito difícil, amor
mas eu nunca te falei realmente
sobre dificuldades agudas
minha terapeuta falou sobre
minha associação quase cronica
e fundida de dor e prazer
tenho dificuldade de entender
onde começa um e termina outra
tantas vezes essa diferença é oca
se acho que falo demais é por repetição
falo do que está da metade pra superfície
da metade pra baixo é fenda no meu tempo
é ali que realmente mora a dificuldade
e nessa fenda só uma mulher entrou
ficou e desintegrou por lá.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Nome próprio de meu

Escreva Rafaela, escreva, escreva!
A palavra e o nome próprio se fundem,
E não há outro motivo pra escrever que não seja pra dominar o transtorno que transpassa o corpo em todas as suas dimensões.
Dissolução d'alma a gente faz com arruda, assim aprendi na minha própria macumba. E quando cai em prantos exú me disse p'reu olhar no espelho e amar o que eu vir. Tenho evitado o reflexo e exagerado na reflexão.
Para o pensamento Rafaela, para o pensamento, o pensamento!
A palavra e o nome próprio, próprio de meu, que só falo e escrevo pra preencher formulário.
Essa noite me revirei na cama, tem hora que não tem remédio que dissolva a crosta da carne e na madrugada o teto para tudo, nada de amparo, mesmo que se peça de joelhos. Aprendi que amor de pele estaciona na pele, e poesia calada se consolida no anonimato.
Vai pro mato, Rafaela, vai pro mato!
Fertiliza a palavra e o nome próprio.
Cria tua mãe e tua filha, tira esse broto do esgoto e corre pros braços da calmaria.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

O chá de hortelã...com camomila

Talvez não seja o melhor momento pra escrever, mas sim pra apostar no chá de camomila.
Na verdade eu o fiz, mas com um pouco de hortelã. Hortelã me lembra minha avó, camomila me lembra todas as vezes que minha cabeça pesava como agora: é preciso manter tudo no lugar.
Talvez eu seja dessas que faz sempre uma tempestade em copo d'água, talvez daqui umas décadas essa expressão não faça sentido pras novas gerações, porque é sempre assim. O tempo passa, as coisas ao nosso redor mudam sem que a gente consiga realmente perceber, é minucioso e em algum momento da rotação da terra, puft: fez-se presente!
Eu te disse que preciso de um tempo, eu não sei exatamente o que isso quer dizer, mas é isso que a gente diz quando o coração está tão apertado, quando seu antídoto em doses excessivas se mostra ser seu veneno. Pode ser que um chá de camomila com hortelã dilua o amargor de se ver sem ter onde se escorar, quando a parede de drywall tenha quase se parecido com aquelas feitas de tijolo.
A verdade é uma grande ilusão, meu amor, e as referências podem ser muitas ou nenhuma, mas ainda assim eu estou aqui, te mostrando a cada passo e palavra espontânea como podemos ser honestas.
Os teus olhos são dos mais bonitos que já pude mergulhar, mas como de costume nos meus vinte e seis anos, eu não sei se era corpo que carrega sangue e ossos imerso nessas águas ou só um sonho daqueles que a gente confunde com realidade, onde o suor é tanto que quase acreditamos ter saído das profundezas de algum oceano.
O meu amor é teu, mas minha confiança eu seguro contra o peito como criança que tira o brinquedo da roda quando não pode brincar. E talvez, na repetição aguda da palavra, talvez, eu não consiga mais dividi-la com ninguém. É que eu cansei de brincar.

sábado, 4 de fevereiro de 2017

A lua partida e sua ida

A lua está partida bem ao meio, será que você viu?
Ela estacionou bem em frente a minha janela.
A lua vem quando seu cheiro se esvai pela distância
Você me diz tantas vezes que teu amor é meu
E eu te digo, ao som da canção que roubaste pra mim
Que o que tenho de mais valioso em mim é teu 
E ainda que haja valia inquietante nos beijos de amor
É no poetar que eu despejo meu amor, e ele é teu.
Nos últimos mais de trinta escritos que de mim desaguaram 
Não houve um que você não se fez esboço e lapidação
Seus olhinhos que me sugam por inteira fazem da lua
Um clichê de multiplicação dos milênios incontáveis
E é na limitação contabilizadora dos seus dez dedos
Que minhas mãos se encaixam e dançam, e dançam
E logo eu que achei ter me perdido no tempo
Reencontro a ampulheta da vida de trás pra frente
A lua partida ao meio é retrato fiel da sua ida 
E é no chão da sala que eu refaço nossos desejos
E nas coordenadas escondidas no delinear do teu sorriso
Que eu sigo e te encontro em algum novo alumiar

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

the room

Não há nada de tão belo em estar sozinha esta noite,
Porém também não há nada de errado por vir.
Sinto que esse é o meu lugar agora:
Não esse quarto solidificado que construí
Mas esse aqui dentro que só eu posso ver
Que só eu consigo entrar e tocar a fundo
Meus erros, meus borrões, minhas permissões.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Poema nomeado - À minha doce Lan.

Não sei muito bem o que é o amor, me intriga as pessoas que absolutizaram o amor. Talvez, num ímpeto de resposta eu diria que ele se faz presente tanto quanto o ar que me põe viva: não o vejo, pouco o percebo, sinto quando me atento e me move sem que eu queira.
Mas quando o amor ganha rosto e partículas tão únicas, sinto como se fosse respirar por uma daquelas máscaras de mergulho, é preciso aprender a respirar, não puxar o ar pelas narinas, tudo agora se faz com a boca, é preciso canalizar sua atenção e aí então, com calma e uma dose de coragem é possível respirar em baixo d'água. E aí então é possível amar sem sufocar a si e a doçura que hoje me dilata as pupilas.
Nunca fiz poema com nome de amor que aqui existisse, não sei exatamente o motivo, arrisco dizer que é porque é mais fácil lidar com o subentendido, ainda mais quando, no mergulho, a tempestade te surpreende.
Eu nunca tive medo de chuva, nem mesmo de trovões ou relâmpagos, mas a Lana tem, e se a tempestade nos pegar no meio do caminho sem que haja abrigo por perto, eu preciso que ela saiba que eu a abraçarei até que meu peito e meus braços desajustados se tornem casulo impermeável a dor. Mas ainda assim, preciso que ela saiba que não posso protegê-las das gotas de chuva, da água que escorre e penetra qualquer vão entre os sólidos.
E sobre o amor, sobre mim mesma e sobre a Lana, eu percorro um caminho turvo, de tantos estímulos que sinto me desintegrando por alguns momentos, e num susto que antecede a certeza boa da reintegração, eu volto amando mais o amor, a mim mesma e a Lana. E se eu soubesse desenhar em traços fidedignos o que meus olhos veem quando fixam os dela - aquele caminho castanho, meio amarelado num círculo assimétrico e catastrófico -, e se eu pudesse descrever a saliência desconcertante de seus lábios avermelhados, ou a textura mansa de seu corpo que exala fortaleza inata, seria tão mais fácil entender o que eu digo sobre a inexatidão do amor.
E é assim que eu a amo, na imprecisão, na assimetria, logo ela que sem encanta com as perfeições geométricas, logo ela, que põe a carteira sempre no mesmo bolso da calça, assim como as chaves de casa, o cigarro e o isqueiro. E é assim que ela me ama, na controvérsia de quem pouco amou mas pouco se livrou das feridas da alma, ainda que em tenra idade, ainda que na bagunça de um passado que me atormenta, na dor das minhas feridas que nunca se fecharam, nas profundezas de um oceano onde de nada servem as máscaras de mergulho, onde só se entra de olhos fechados e só se mapeia os caminhos tateando delicadamente a brutalidade da reatividade.
E se eu pudesse dar-lhe algo, além de uma poesia nomeada, eu lhe daria pulsão de vida, porque me atormenta vê-la falando da vontade quase intrínseca de desistir, como ela mesma diz "de acabar com tudo", porque quando eu deito minha cabeça sob o peito dela e sinto seu coração batendo eu agradeço por todo o funcionamento de seus órgãos e peço que ainda pulse, que tudo pulse, que pulse por toda sua extensão pra que um dia ela possa pulsar na alma a certeza de que viver é arriscar, e arriscar é inebriante, e muitas vezes dói. Não é preciso ter pressa pra fugir da dor, mas na penumbra do meu quarto, que se faz hoje um tanto dela, eu peço em silêncio que doa cada vez menos.
As coisas simples aqui nos tomam o fôlego, ela sabe : os corpos entrelaçados embaixo da coberta, a respiração sincronizada, o carinho ainda em reconhecimento, o sol da manhã invadindo o quarto e iluminando os corpos que se amaram num madrugada suspensa no tempo.
E não fujo da morbidade, ela está aqui, nos rodeando, sem nenhuma romantização, mas como diz a música que ela escolheu pra lembrar de nós e dos nossos banhos demorados:  ''So let's love, love fully, love loud, love now, 'cause soon enough we'll die".

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

À minha avó, Cida.

Andei lutando contra a medicação hipnótica, era certo não querer dormir dopada todos os dias, mas não consigo dormir comigo mesma uma noite sequer sem que minhas tormentas tomem conta de mim e me alaguem a cama e eu acorde várias vezes durante a madrugada com os pés úmidos e frios.
Eu sinto meu corpo tremer ao som das memórias distorcidas que invadem minha mente inquietante. As memórias são infinitas! Logo eu que sempre tive tanta dificuldade em lidar com esses termos improcessáveis a mente humana: a ausência e a presenta em estado permanente. O mais próximo que posso chegar antes que eu mesma me desminta é que infinito é isso: presença e ausência em densa e profunda profusão.
Quando eu estou dopada, o mundo fica em outro estado, ou talvez eu é que fique, does'nt matter, pois  é íncrivel como o  desencaixe entre mim e o mundo me torna mais levitante e tudo faz mais sentido: eu não sinto mais onde eu deveria sentir, eu só deixo a cabeça pender, de lá pra cá.
Há exatos três anos minha avó morreu, e tenho certeza de que ela morreu uma porção de vezes enquanto estava viva, enquanto dizia à mim que queria ter sido professora, ou como adorava suas pérolas falsificadas, de nada elaborado eram seus esconderijos e suas fantasias, ela punha a chave de casa no sutiã, ali ninguém mexeria e ela também não perderia. Ainda posso ouvir o barulho do portão se abrindo, era arrastado e pesado e tínhamos que pender o corpo para um dos lados, sempre.
Logo ali, por volta dos meus dez anos quando fomos embora da casa dela ela começou a morrer. Definhou não tão lentamente quando aos meus quatorze ela teve que ir morar em outra cidade, solitária e contrariada. Não havia muito que podíamos fazer, não é vovó? E hoje eu sinto muito por tê-la deixado ir. Ela perdeu sua casa, e eu perdi as paredes que seguraria o que hoje eu guardo na lembrança, sem chão, sem suportes, sem teto, e assim, fica tudo solto aqui dentro.
A cabeça dela não aguentou a dor da solidão, das vivências e das cicatrizes tão mal cicatrizadas, a cabeça dela não aguentou uma vida inteira de fuligem do fogão, do cansaço da força bruta, e de ter perdido as flores que ainda brotavam no quintal. Eu lembro como se fosse hoje do quintal e das plantações de morango.
Pois vovó se fez em degeneração pouco depois de ir embora da cidade, e começou a ir embora de nós, fechou-se em seu mundo, que daqui, numa breve suposição, eu diria, ser esse, um mundo acalentado pela fuga e insustentável pela solidão. Das piadas e risadas pra aguentar o fardo logo surgem as primeiras reais preocupações: vovó não é pessoa pra esse mundo, agora usa fralda, fala coisas sem sentido e não reconhece seus amores. Ela cai, ela se machuca e não consegue pedir ajuda, ela quis a vida toda morrer em sua casa, cercada daqueles que amava, e morreu sozinha de conhecidos, no chão de um quarto recém alugado. Parada cardio respiratória. Simples assim.
Talvez ela, e só ela, dessa vez possa me dizer do que é composto o infinito, como o calculamos e quanto medo ele realmente dá.
Só depois que a enterramos, depois de passado todo o choque inicial é que começamos a arrumar suas coisas, e lá estava o clonazepam de 2 mg, que eu nunca a vi tomando, mas sei que ela tomou até seu último dia de vida. Tento ainda não passar do 1 mg, mas aos vinte e seis anos já me parece difícil não pedir um pouco mais, suponho que aos setenta e tanto também lhe parecesse.
No dia primeiro de janeiro do ano de 2014 ela sorriu pra mim e então eu pude reconhecê-la pela primeira vez depois que a doença tomou conta, ela sorriu e disse palavras que eu, em falsa sanidade, não entendi. Talvez ela falasse de amor, ou apenas de alguma plantinha que ela podia ver através da janela.
Há quem acredite que ela ainda fale comigo, por sonhos, telepatia, energia ou qualquer uma desses canais que a ciência caçoa, mas não me importa, o que eu tenho certeza é que eu ainda falo com ela, e digo todas as vezes que posso, que na geração que me fez tua neta, eu honrarei nossa genealogia matriarcal.