Eu preciso falar um pouco sobre o meu amor, sobre a desordem ordenada que rege meu coração.
'Tô sempre a espreita, esperando a chuva que não vem, a morte que não chega. Mas pra chuva já inventaram previsão, pra morte não.
Um livro velho aberto na cabeceira de uma cama, uma luminária de luz baixa, quente, um cheiro de mofo. Eu sei que isso tudo parece inconveniente demais, mas ali, naquele estado pútrido, o amor ainda pulsa.
Não sei se me faço entender pela analogia, ou pelo relógio mal marcado, ou pela risada frenética, um tanto ridícula, bordada porcamente por desespero.
Falar sobre o amor não me remete à uma carta de amor, não, são coisas bem diferentes. Carta de amor é quando a gente embala com papel de presente. É tão amor quanto, mas não é cru, é cristalizado. O que se cristaliza não apodrece, e apesar do sol em libra, me apetece a submersão do que é decomposição - deve ser a lua na casa doze.
Eu sou enlouquecida, e não é pelo empilhamento de diagnósticos, é pelo que faço de mim segundo a segundo. Só fica por aqui quem se deixa contaminar um pouco, ao menos. Ficar por aqui é trabalho árduo, e modéstia a parte, imensamente lindo.
Eu vejo beleza na loucura apesar do cansaço. Olhos enlouquecidos são olhos cheios. E eu sou cheia, redonda, e um tanto catastrófica.
Pra falar de amor, eu preciso olhar pro céu e pro asfalto, o meu amor também se constrói no concreto. O mar faz do amor imensidão, mas na metrópole ele se dispõe num misto de prazer e agonia.
Acho que meu corpo é mal moldado pela quantidade de vezes que me desfaço e me refaço, porque tem hora que é preciso fazer caber.
A minha ideia inicial era que minhas palavras vomitadas pelos dedos tivessem destinatário. Me perdi dentro da minha cabeça, nos labirintos intermináveis, nos acúmulos, na euforia que me acomete de tempos em tempos, na distorção, na solidão inflada do meu ego catastrófico.
Mas que o início, então, se concretize no fim, e que os meios sejam apenas os meios.
Meu amor fresco tem nome, dor e um sorriso que me desarma e me cala a inquietude. Nas tuas curvas eu me encaixo como se dali eu tivesse saído num desencaixe impróprio. Tuas coordenadas se mostram em auto relevo latitudinal, e na busca incessante pela simetria ela se faz assimétrica dos pés a cabeça, nos cabelos que não controla, nos pelos que brotam sem pedir licença, nas pintas que se desenham sobre sua pele, nos lábios que me sorriem um pouco mais pra lá, outrora pra cá, no caos d'alma que se desencontra no vaguear torto do amargo e da docilidade.
E aí eu amo, sem esse vocabulário vasto, sem esse acúmulo de pensamentos frágeis, eu só e tão só, amo.
Amo seus dedos que se movimentam de um jeito desajeitado e amável, amo o cheiro que vem e me inunda quando me aproximo, amo a confusão e a fusão tão desordenada que nos toma num gole só.
Amo o teu amor de doses homeopáticas casado com o meu amor em doses cavalares. Amo teu som e teus retratos, amo teus olhos imensos na tua profundidade, e quero me perder neles.
É que eu acredito mais na vida quando me entrelaço em você, e me perdoe se há rastros de passionalidade, mas meus olhos reconstroem o caminho quando fixam os teus.
E os teus, tão teus, e os meus, tão meus, e os nossos, tão incalculáveis.
quarta-feira, 30 de novembro de 2016
Falar de amor
segunda-feira, 28 de novembro de 2016
Derrame
O café quente derramei hoje de manhã
E já não sei definir qual queimou mais.
domingo, 27 de novembro de 2016
O silêncio
O teu silêncio é quase cômico
Mas não me arranca um sorriso
Silencia a boca e engasga a mente
É indigesto e quase cáustico
O lustre balança sobre a cabeça
E o olhar só vagueia, nada vê
Que você fez do nosso nós em você?
Que aqui tá escorrendo a seco
Desce rasgando, calando a alma
O teu silêncio não é ausência
É avalanche que leva tudo de mim
Poderia ser cômico mas é caos.
terça-feira, 22 de novembro de 2016
Eu dancei com ela
Num misto de furor e calmaria
Como quem balança numa rede de varanda.
Ela sempre diz que não sabe dançar
Mas vem comigo num ritmo doce quando eu a abraço,
É que o amor move a alma que se contem no corpo.
Quando ela dança comigo minh'alma se acalma,
É dose inebriante de alivio pr'essa dor caustica.
Meus braços envolvendo-a em toda sua extensão,
Meu rosto colado no dela sem medo ou precaução,
Ela sorri que me arrepia toda a pele,
Que amor é vibração indomável
Como as águas d'uma correnteza.
E como não ver beleza nos lábios que se fundem
Como quem mata a sede na nascente?
E eu dancei com ela,
Nos seus passos bagunçados pela timidez,
Na docilidade do encontro de nossos mundos,
No sopro vívido do nosso reconhecimento,
No manto mágico dos nossos olhos famintos:
Distintos, disformes, destoados
E fomos o sumo desnudo do que nos emerge aos poros,
No suor que liquidifica o desejo,
E me mexo como os fluidos que escorrem pelas pernas
E evaporam subindo invisíveis e indivisíveis, aos céus.
segunda-feira, 31 de outubro de 2016
Carta aos 28
É assim que vem a lembrança: sem previsão, arrombando a porta, inundando os olhos que não estão preparados pra enxurrada.
Te trouxe pra mim em fevereiro de 2008, isso eu não esqueço, acredito que nem você. Cada detalhe daquele dia que parou o tempo está tatuado em nossas almas, e que fiquei aqui, é parte de mim, tudo bem.
Mas hoje, quando eu lembrei que é seu aniversário, me veio a arrebatadora lembrança da gente dançando com as mãos, nossas risadas ao perceber que seus gestos eram mais grosseiros que os meus. Ficávamos longo tempo brincando de dançar com as mãos e nossos olhares vagando entre os dedos e o teto, eram como grandes iluminadores, eu podia sentir o mundo refletido, desdobrado. Há quem diga que tudo isso é muito triste, talvez seja, mas apesar do susto, quando eu lembro do que fizemos com a simplicidade dos nossos movimentos, como fomos capazes de amar os mais breves segundos, eu sinto alguma paz.
E foram nesses momentos tão sublimes que me fiz tão inteira ao teu lado. Eu sei que você atravessaria o mundo pra me amar naquele nosso tempo, eu sei que você me protegeria de qualquer tormenta e faria do inferno um ninho confortável pra que eu dormisse sem medo. Eu sei de todo amor que você não só sentiu, mas vibrou, pulsou, criou por mim.
Você é alma colhida em campo de flores raras, é eco de amor num mundo vazio.
E que a beleza sutil das mãos dançantes possa ser multiplicadora como ondas sonoras.
E que nesse movimento minhas palavras sussurradas atravessem a cidade e preencham teu coração: que aquele amor que hora feriu tanto possa ser também cura pra que um dia eu possa convidar tua mão direita pra dançar de novo.
Será que somos melhores dançarinas hoje?
Feliz 28, feliz recomeço.
Te amo, bê.
segunda-feira, 24 de outubro de 2016
Filha de Oxúm
quarta-feira, 19 de outubro de 2016
Mentiras
Que teus olhos tão acesos e imensos ludibriem os meus enquanto eu cuido pra que nada nosso desbote.
Que enquanto você fala o que tua alma nem sabe o que sente eu bote tudo no lugar por nós duas.
Nosso alimento: meu e seu
Nossos sustento: meu e seu
Nossa sede: minha e sua
Que você mantenha a fumaça dessa erva daninha, danosa, nos pulmões, enquanto eu adubo essa terra infértil e faço a estrutura pra subir as paredes que vão sustentar as tuas mentiras.
Eu achava que eu era tão minha aos dezessete, como você acha que é.
Eu perdi tudo, das minhas roupas a minha identidade, achando que aquelas mentiras eram as minhas maiores verdade.
quarta-feira, 12 de outubro de 2016
A busca e a fuga
Isso tudo nos define muito bem, eu vou continuar minha busca por mim mesma, mesmo que nas sutilezas sublimes que a vida nos traz a tona e você vai continuar fugindo de si, se anestesiando e acreditando que foi melhor assim.
E tudo se transforma num grande desencontro separado por frames de segundo, com cheiro entorpecedor de amor mal vivido e cigarro barato.
segunda-feira, 10 de outubro de 2016
Ampulheta
Eu sinto você se desfazendo, escorrendo, virando poça.
Esses prédios não estavam aqui a última vez que me afoguei no amor, hoje eles reluzem destruição. O que antes era um apanhado de concreto fétido e esburacado, se transformou em arranha céus onde entram e saem os homens de terno.
Terna era minha mão na dela, a gente foi gigante, e o mundo, que eu sinto me engolir e me cuspir num movimento incessante, era nosso.
Eu amei de novo, na metade do século, em meio ao trânsito de plutão, com os pés encharcados da poça formada pela chuva ácida. Mas eu te beijei, com os pés enrugados mesmo, com frio mesmo, com medo mesmo, e eu te beijei num furor de quem sabe que uma década mal completada pode virar nossas cabeças e nos puxar pelos pés pro núcleo da terra enquanto a cabeça voa pro céu avermelhado da metrópole.
A gente sabe que vermelho é poluição, que fumaça é tóxica, que a mentira é dor indissolúvel, e mesmo assim o céu é lindo, a fumaça é alívio e a mentira é escape.
Todos os dias eu te arranco um pouquinho de mim e todo santo minuto eu te peço em silêncio pra voltar e não deixar que eu termine o trabalho árduo de me esvaziar de ti.
É como uma ampulheta de areia fina que se esvai pouco a pouco pra nos mostrar na concretude que o tempo acabou.
quinta-feira, 6 de outubro de 2016
me arrebenta o coração
e me lembro do medo de te deixar entrar
de nada adiantou você me puxou pro seu olhar
e tirou minha alma pra dançar
me arrebenta o coração, diz que não pode mais ficar
me arrebenta o coração, diz que não vai mais voltar
que é pra ver se eu desato o nó
que é pra ver se o amor vira pó
e voa, entoa nosso som pra eu cantar
se distraia mais com o vapor do café
que daqui eu prometo eu mantenho tudo em pé
descasa teus olhos dos meus pra ficar mais fácil dizer adeus
me arrebenta o coração, diz que não pode mais ficar
me arrebenta o coração, diz que não vai mais voltar
que é pra ver se eu desato o nó
que é pra ver se o amor vira pó
e voa, entoa nosso som pra eu cantar
quarta-feira, 5 de outubro de 2016
Arrebentamento
A cabeça repete tudo, nada é digno de ser pensado apenas uma vez, nenhum pensamento se desfaz, tudo se acumula e dá voltas em mim, como o pássaro preto frenético em volta da minha árvore seca. O primeiro comprimido desce quase a seco : eu preciso que isso pare. O segundo comprimido é um pedido de socorro, e o terceiro se desfaz na boca que nem gosto mais eu consigo sentir.
Adormeço num choro lento, os sonhos me tomam a realidade, eu sonho com tudo. Sonhei contigo e de alguma forma eu sabia que era só um sonho, devo até ter mexido minhas mãos porque eu desejei tanto te trazer pro real, acordar e ver teu semblante sereno mergulhada num sono profundo.
A gente andava pelas ruas e o mundo parecia tão grande, eu lembro dessa simplicidade grandiosa, eu lembro do quanto eu desejei te roubar daqui, que teu sorriso é digno de florescer entre as árvores que beiram as águas de Oxum.
Essa cidade é tóxica para pessoas como nós, e eu não quero mais morrer aqui, eu não quero que essa insanidade consuma minha cabeça, eu quero ter esperança e uma hortinha. E talvez esperança e um punhado de plantas sejam exatamente a mesma coisa.
E estar mais do que apaixonada, minha querida, talvez seja só uma ilusão que a sua mente fértil criou pra ter uma imagem platônica pra se apegar.
Eu ainda queimo, incendeio por tudo aquilo que eu deixei passar, pelas palavras que eu não disse quando eu pude dizer, pelos abraços que eu não me demorei um pouco mais, porque eu amei e hoje eu sei que flores que brotam no asfalto não devem ser pisadas.
Hoje eu paro, olho pra elas e sorrio, é um milagre elas estarem ali. Alguns amores são um fenômeno tão bonito como as flores do asfalto, porém, na mesma proporção a gente passa por cima sem olhar a beleza que é brotar em terra infértil, contrariando a natureza das coisas.
Me arrebenta o coração tentar te entender, tentar compreender porque ir embora enquanto teus olhos dizem tanto sobre querer ficar Me arrebenta o coração distanciar nossos corpos enquanto eles nos pedem que demoremos mais nesse abraço, nesse enlace, nessa fusão de mundos. Ou talvez eu tenha visto flores brotando do asfalto como um oásis, e talvez eu tenha te engolido em efeito placebo, e talvez você tenha sido tão irreal quanto o vapor quente do café recém passado.
E eu não quero passar tanto tempo olhando fixamente para o que não foi, eu prefiro olhar pro céu azulado, tão cheio de nuvens branquinhas dessa tarde de cinco de outubro. O céu é intocável e as nuvens são dissolvíveis, e ainda assim, tão reais.
segunda-feira, 3 de outubro de 2016
Pó
No que você pensava?
Eu sempre tentei incansavelmente entender o que seus olhos me diziam, até que te ensinei a escrever com os dedos, na pele, no ar. Eu ainda o faço quando quero que minha palavras se desfaçam como a fumaça do cigarro.
Dentro do meu peito efusivo eu pedi um milhão de vezes pra que você ficasse, será que você não ouviu? Cada batida acelerada do meu coração era lembrança da saudade que ainda está por vir, e virá, eu sei: chutando a porta, arrancando os meus pelos, que cabelos já não tenho.
Mas depois é só acalmar a saudade num abraço firme, daqueles que minha mãe me dava depois de um surto de raiva na infância. Talvez eu vá precisar de um tempo pra concertar a porta, e aí sentar no chão com uma xícara de café e um cigarro entre os dedos. Quem sabe quando eu realmente conseguir te dizer adeus eu também não deixe de fumar.
Hoje acordei e o céu estava cinza, mas não fazia tanto frio assim, era só a coloração acinzentada cobrindo todo o horizonte: as cores cinzas também podem amornar o coração, obviamente que o café fresco ajuda nessa empreitada.
Você olhava pra mim num misto de compaixão e pedido de socorro, e eu olhava pra você num pedido contraditório de que desatemos o nó já que não conseguimos ficar com o laço.
E quando eu me distraí eu me apaixonei de novo por você, eu me peguei deitada no teu colo, no parte alta do half, longe de toda aquela gente que cantava, dançava e se mexia de forma estapafúrdia. E que me perdoe a poetisa portuguesa mas eu me apeguei a essa palavra: estapafúrdia.
Você me acariciou o corpo e a alma e eu te disse, não sei se ouviu, mas eu disse: ''Você me acalma tanto, é como se fosse outro mundo.''
Você não disse nada, só me envolveu eu seus pequenos braços com mais força e eu entendi que você sabia do que eu estava falando.
Eu matei o pé de hortelã, eu matei o tomilho e o manjericão, e há quem diga que eu só os deixei morrer. Eu quero deixar morrer a morada que você fez dentro de mim. E que se apague como se apaga um cigarro no asfalto. É que eu nunca jogo meu cigarro aceso, eu o apago até que a última faísca brilhante vire pó.
quarta-feira, 28 de setembro de 2016
Deixa a menina ir
com a fumaça do cigarro da manhã
com a brisa que balança a janela
deixa a menina ir
com os passos acelerados da cidade
com os pássaros migrantes
deixa a menina ir
com o tique taque incessante das horas
com o amadurecer das amoras
deixa a menina ir
sem segurar nada que não precise
sem amargor no céu da boca
deixa a menina ir
mesmo que fique por perto
de olhos abertos e saudosos
deixa a menina dissolver
com as memórias
com as histórias bonitas
de quem não veio pra ficar
e só passou pra ensinar.
domingo, 25 de setembro de 2016
Tempestade e tempero
Isso tudo é muito sério, tudo que tenho guardado dentro de mim é muito sério.
A luz refletida no teu rosto, ou teu rosto brilhando mais que luz do holofote. Eu não sei dizer, são tantas cores, me transportei pros nossos corpos nús. Me transportei pras luzes coloridas do meu quarto. E eu preciso parar, você não vai parar por nós e isso, isso tudo é muito sério. Todas as vezes que estive perto se ti eu latejei, meu corpo latejou, minha mente latejou, fui pulso em constante evolução. Cresci, achei que crescia contigo, achei tanta coisa e só me perdi.
Agora é hora de me encontrar, nas ruas da cidade, nas árvores secas que me inundam, no meu quarto onde me cativam e me prendem a imensidão do nosso desejo.
É tanta coisa e isso é sério, sério demais pra me deixar entrar nas ondas sonoras do seu sorriso morno. Eu amornei minha alma na tormenta da tempestade.
Temperatura é coisa séria, meu bem.
E tempero também... E tempero também.
terça-feira, 20 de setembro de 2016
Reflexões da boa dor
Hoje eu não queria pensar na dor mas eu vi o céu em chamas e o que vinha mesmo era um pé d'água.
Havia fogo ali, atrás dos prédio. Minha alma, hoje tão calma, pegava fogo e ele se alastrou por tudo a minha volta.
Hoje eu caminhei pelos mesmos caminhos de sempre e puxei minha mente de volta quando ela quis voar até você : "manejo, Rafaela, manejo de pensamentos"
É tão difícil desviar de você, não tropeçar nas nossas lembranças é um trabalho árduo, diário. Afinal, deixavamos tudo jogado pela casa.
Peguei a encomenda que você deixou pra mim, estava lá, toda embalada de indiferença e um pouco de amor, talvez. Campilho vai me fazer bem nos caminhos atordoados da metrópole.
Ah, eu que sempre fiquei tão enlouquecida quando você dizia pra que nós saíssemos da cidade, hoje faria muito pra ir embora daqui, pra ter os pés descalços na terra molhada e um céu estrelado, bem clichê mesmo.
Essa concretude me adoece, dia após dia.
Eu ouço repetidas vezes a mesma canção, eu tomo todas as noites o mesmo remédio, eu sinto a mesma dor.
Mas hoje eu não queria pensar na dor... Já pensei, lembrei da Nina, a gata. Eu lembro dela andando por aqui, suas patinhas gordas e seu focinho molhado, sempre tão companheira, sempre me dizendo com sua linguagem felina que o mundo, ah, o mundo é sempre desastre e milagre simultâneo. A Nina morreu embaixo do sofá, o nosso sofá, a nossa Nina, o nosso amor...Tudo tão nosso e tão distante de ser qualquer coisa.
Que bom que muita coisa passou, que bom que não dilacera como antes a distancia de nossos corpos, ainda até penso nos pés embaixo do edredom, ainda penso em muita coisa, vez ou outra ainda choro como se fosse a primeira semana. Se consolidou três anos, três fodidos anos desde que eu fui embora de casa, meu amor. Você ainda vacila e me chama de amor, ou de bê...me corta a alma em pedacinho quando você se redime no mesmo instante, é como se fosse errado me amar...e talvez seja.
domingo, 18 de setembro de 2016
Nascente
A sentença morre nela mesma, se desfaz por si só.
Eu recuso as lembranças mas elas invadem, é incrível como elas vem dançantes e eu não as quero assim.
Vem o cheiro da sua casa, as árvores da sua rua, as tantas vezes que andei pela sua rua ao teu lado procurando respostas por me sentir tão feliz e inflada como um balão.
Teve noite que veio o frio, e manhãs de sol bonito que tomamos café fresco sentadas na mureta da garagem, com o primeiro cigarro do dia, entre os dedos.
Vem o som da tua voz pedindo pra que eu não lave a louça, não arrume a mesa, não varra o chão, que eu só não faça nada, e eu perdida no morno do teu olhar, só conseguia sorrir e pensar no quão bonitos são seus traços.
Meu sorriso queria romper por minhas bochechas, e mesmo nas noites mal dormidas, acordar do teu lado era como acalmar a desordem que está sempre em ebulição. O meu mundo se acalma, respira lento, com o diafragma, como o ranger vagaroso das janelas movidas pelas brisas das tardes de verão.
Saudade, quando vem, arrebenta o peito, e me carrega correnteza abaixo, dessa vez não deu tempo de me agarrar em nada, desaguei num choro soluçado, descompensado.
As lembranças, elas se multiplicam quando falo delas, acumulamos em tão pouco tempo páginas e páginas de cenas lindas, movidas por contemplação e toques sublimes. As vezes quando eu fecho meus olhos eu ainda consigo sentir você por perto, seu coração sincronizado ao meu, e toda aquela minha vontade incessante de te arrancar do peito toda a dor que te consome, seus demônios. Mas você precisa deles, não é mesmo? Precisa encontrá-los, tete-a-tete, entrar na mata ainda não desbravada. Ser etinerante dentro do seu desconhecido.
E eu preciso sair por aí, caminhar com a mochila nas costas, deixar o passado passar, se dissolver feito poeira da estrada de barro seco, ainda que tudo aqui seja úmido.
O barulho da chuva, os sinos da igreja do centro da cidade, as ruas da cidade e seus corpos desovados a cada esquina, tudo tão arraigado ao concreto.
Enquanto tudo que eu preciso é aprender a distinguir o soluço da solução.
Descobrir onde mora a nascente dessas águas que deságuam em mim.
terça-feira, 13 de setembro de 2016
A despedida
Ela disse uma porção de vezes que espera que fiquemos bem depois de tantas palavras de despedida. Eu não entendo porque tantas palavras pra então, ir embora.
Disse que não quer me perder enquanto me deixa mergulhar num líquido espesso, escuro, talvez seja café mal passado, talvez seja só o passado...
Ela disse, mais de uma vez, sobre não ter certeza de nada mas amplifica por todo o oco da sala o silêncio certeiro de me ver indo embora.
"Eu não volto mais, linda minha. Eu não volto mais."
Em alguma instância ela sabia disso, eu a convidei pra dançar uma porção incontável de vezes, mesmo quando minhas pernas doíam tanto.
São pedaços de mim que não voltaram, que se espalharam com o vento, mesmo sendo pedra bruta.
E eu a vejo assim, olhando pra mim, vendo aqui o que não floresce aí.
E o sol, com seus feixes de luz tão bem distribuídos me fizeram a amar em silêncio. Enquanto ela dormia, no calor morno das manhãs, no meu quarto ou no dela, eu costurava os retalhos coloridos e surrados pra que no inverno a manta estivesse pronta pra aquecer os pés dela.
Talvez seja esse libra solar, ou a venus virginiana, mas é no costurar diário dos retalhos, nas picadas incômodas da agulha e na desordem das medidas que eu vejo amor.
Que o inverno seja ameno, quando ela fizer anos.
sábado, 10 de setembro de 2016
Soluço
Tem hora que sopro é soluço
E soluço é ar num rompante
Que invade a caixa torácica e dói
Os olhos turvos já sinalizavam
O corpo era quase movido a diesel
O ácido estomacal nada diluiu
Ficou tudo embolado a olho nú
"Ainda é cedo pra ir embora"
Eles disseram sem nada ver
A janela me espelhava a alma
Me chamava pra um vôo súbito
Desci pela escada, ou era labirinto?
Desci com um cara senti-me em diáspora
Ela ficou, e a vírgula não é por acaso
Deixa-la ali foi minha queda pela janela
E hoje ela também foi soluço
Desses que só sei conter
Prendendo a respiração
Prendendo o veneno no peito
Meu antídoto eu perdi na mudança
E tudo mudou desde que o amor
Virou indescritível enquanto na verdade
Era só insustentável.
quinta-feira, 1 de setembro de 2016
Ambiguidade
Me vem sempre uma vontade irreparável de dividir contigo as coisas boas que me tocam. As mais belas músicas, os poemas perdidos nos livros empoeirados, os sabores das comidas mais suculentas e as contemplações que não se descrevem.
Eu não sei descrever o que sinto quando te vejo. É profusão de fundo de olhos, é mergulho profundo, é turvo e morno.
Eu te encontrei tão perdida, não sabia se dançava ou se sorria, tudo maltratava e dissolvia a dor,
Essa ambiguidade desordenada e preste a dar vida a mais bela flor, mas que ainda é broto.
quarta-feira, 24 de agosto de 2016
Filtro...só de café
Seus olhos viciantes são minha paisagem,
que eu não consigo enxergar em dias de chuva.
Tudo fica turvo e melancólico, bem como costuma ser na minha cabeça.
As lágrimas são como a chuva de verão que desaba levando o silêncio embora...
As palavras dela roubam as minhas e por mais que eu tente, não consigo pegá-las de volta num beijo.
Minha melhor amiga, agora é a fumaça, não importa de onde ela vem, eu só vivo com ela.
O líquido preto que me mantém viva por dias de noite em claro, são filtrados com as tuas lembranças.
E eu já esqueci como é levantar o peso das minhas bochechas para conseguir abrir um sorriso...
O peso dos meus passos, eu já me acostumei a carregar. Pois são os únicos que eu ainda tenho coragem de enfrentar."
Lana Lopes
sábado, 20 de agosto de 2016
Desordem
Eu danço com toda minha alma,
Alma essa que dançou com a tua na noite anterior.
Eu tomo a noite com todo seu vapor, engulo toda fumaça de cigarro e do motor a óleo diesel.
Olho pra você e desfaço o laço com as mãos no ar.
Minha perversidade é meu maior amor,
Meus pés latejam e eu danço, eu danço...
Peço para que esses fantasmas em desordem a minha volta me deixem ouvir minha própria cabeça.
Na busca dos teus olhos eu entro num labirinto disforme e te peço pra ficar - Fica?
Eu sinto medo de mim mesma,
Me deparo com a chuva espessa, um mar de concreto e bueiros, imensos.
Preciso parar! É hora de parar!
Tem relógio que para e olhos que não reconhecem a desordem do tempo.
Não me despedir é minha maior expressão desse amor que quase senti,
Dessa extensa pele que quase arrepiou
Desses olhos que você quase levou.
Eu sou vulcão em erupção constante,
Minhas lágrimas e minha saliva queimam,
E meu jardim primaveril está tomado de erva daninha, meu bem.
terça-feira, 16 de agosto de 2016
Lua Seca
Tem noite que ela cai seca aos meus pés
Se era iluminada agora é seca e fosca
Tem olhos que tem olhar que te invoca
Até que esses olhos se esvaziam e se perdem
Tem noite de lua cheia que puxa a maré
Tem maré que avança e te devolve esgoto
Tem beijo que alimenta o limiar da alma
Tem outro que te suga até as lágrimas
E fica tudo sem dizeres, é só amargor
E o sentimento do mundo se dilui na
Chuva ácida que você tanto desgosta
E ele escorre ínfimo -cru- bueiro abaixo...
segunda-feira, 15 de agosto de 2016
Arisco
A madrugada se estende
Você ainda está em mim
Canto pro teu sono ser ninado
Faço pintura a dedo com orvalho
As gotas d'agua da manhã fria
O suor da xícara de café quente
O sol nasce devagar aqui
Quase rasteja como teus pés
A árvore de galhos secos não se move
Tudo caótico e em seu devido lugar
Tua alma é pássaro arisco, indomável
Meus olhos, que hora se perdem atoa
Não acharam outro rumo que não os teus
Minhas mãos mapeiam seu corpo
Teu corpo me ensina os caminhos
Que tuas palavras não me levam
Ouso dizer que estiver imersa em ti
Que o tempo caminhou veloz por nós
Feito sob medida pra não ser descoberto
Eu quase acreditei ser melhor sem você
Eu quase desejei não ter cedido à nós
Eu quase desfiz o nosso laço de fita
Num ato de covardia deixei pra depois
Escondi debaixo da cama as certezas
Dissolvi com ácido o que era absoluto
A perplexidade da fluidez em partículas
Foi meu alimento e comeu meu fígado
...
Dois dias depois do poema interminável
Eu desalinho as reticências
Eu sou pássaro indomável, arisco.
quinta-feira, 11 de agosto de 2016
A jaqueta jeans
Tua jaqueta jeans tão maior que você, do tamanho dos seus sonhos.
O tênis vermelho, surrado.
O cigarro entre os lábios de tão pouca idade.
Te vi ali, sozinha, em meio a multidão, encostada no muro, com o olhar perdido, talvez a procura do meu.
Propositalmente, demorei alguns minutos pra me aproximar apesar do desejo crescente de te beijar. É que eu queria te olhar mais um pouco, gravar aquela imagem em mim como uma fotografia, saborear cada movimento, toda a insustentabilidade da beleza que se sobrepunha ao meu desejo de correr pros teus braços.
Hoje se mantém as memórias quase gustativas, e a gravura em cores saturadas, talvez um pouco desbotada nas extremidades.
No meu corpo você ainda faz sentido por alguns instantes perdidos no espaço, até que eu abro meus olhos e você escorre, escorre pelo meu rosto, escorre por entre meus dedos, escorre por minhas pernas.
segunda-feira, 1 de agosto de 2016
Distensão
Luz solar
Solidificação
É pouco
É troco picado
É sopro contido
São noites viradas
Do avesso
Do fundo da gaveta
Luz lunar
Lamificação
Pés molhados
Lâmina afiada
Choro engolido
Sonhos cruzados
O lado errado
O delírio sendo ao lado
O lírio
O colírio
O sorriso amarelado
Areia no sapato
Garganta fechada
Sem ar, sem lar
Distração
Disritmia
Luz solar, luz solar
Luz lunar, luz lunar
O solo arado, cansado
A árvore seca que flutua
No mar, no mar, no ar.
Des cone xão
quinta-feira, 28 de julho de 2016
Porques
Eu nem sei como se usam os porquês
Passei anos tentando entender
Hoje faço teorias inconsequentes
Invento teoria pras regras gramaticais
E pro dissabor do coração
É sempre o mesmo script, Laura.
O carinho contido nas mãos
A vontade crua e genuína
De deixar os dedos dançarem.
Já é tarde, Laura, e você não é ninguém.
E pode ser um infinito, um longo infinito.
Porque eu não pude ir, Laura?
Porque muda tanto o gostar mesmo depois de tanto gozar.
Daqui dali acolá
Meu coração adormece sem respostas.
Poesia aos dezessete
sexta-feira, 22 de julho de 2016
Revolução em movimento
É a sensação da descoberta, do desvendar minucioso e lento do corpo de uma outra mulher. Os passos cativos que os dedos dão, um após o outro, o arrepio, os espasmos calmos de quem sabe que não há atemporalidade que carregue a sensação morna da fusão desses corpos.
Eu dentro dela, ela dentro de mim, o toque translúcido de quem toca a outra como a si mesma, o desbravar inquieto de um universo escondido, tantas vezes violado, tomado de nós com brutalidade e coerção.
Sinta o tecido macio, o caminho apertado, a umidade aquecida e inebriante nos dedos compridos, nas mãos que ergue a Labrys. Eu escorro como correnteza por minhas próprias pernas enquanto estou entre as dela. Há uma florescer intenso de ancestralidade quando uma mulher se permite ser penetrada pelas mãos de outra mulher, os olhos transformam-se em caminhos luminosos e úmidos, são as guerreiras, as bruxas, as curandeiras, as feiticeiras,são suas almas nos fortalecendo e nos dizendo que eles podem nos queimar, nos perfurar os corpos e as almas, nos esconder e exorcizar, mas renasceremos cada vez que uma mulher se conectar consigo mesma, mesmo que refletida nos olhos e na alma de uma outra. Nossa fusão é revolução!
A lágrima desce, morre no final do pescoço longo, dói ser despida no mundo onde é preciso esconder-se para caminhar, dói ser respeitada quando se espera brutalidade de todos os lados, dói poder escolher entrar no labirinto infinito de nossas próprias histórias.
E os gemidos angustiados, as pernas tremulas, o fluxo de sangue a inchar os lábios, a doçura enfeitiçada dos líquidos demoníacos que escorrem e dissolvem toda a toxidade.
Tua pele, meus poros, teu caos, meu carma, minha alma, e tuas mãos a me pedir socorro num aperto cativo.
E o gozo, o estremecer, a reticência da noite de lua cheia a gritar em eco ao vão do mundo: lesbiandade é a revolução em movimento!
sábado, 16 de julho de 2016
Olhos de fita ao vento
Às vezes é difícil falar qualquer coisa, às vezes basta olhar nos olhos, sentir a textura da pele, as nuances, a penugem, o contorno do sorriso e a delicadeza do choro contido. Isso me bastou hoje, e suas palavras, poucas e tantas, foram certeiras, não tenha dúvida disso.
Quando você leu que não poderia estar comigo agora porque precisa cuidar de si mesma eu não conseguia pensar em mais nada que não fosse: essa é a coisa mais bonita e corajosa que ouvi nos últimos tempos. Quando eu chorei (e realmente não pude conter as lágrimas) o fiz por sentir que era a coisa certa a se fazer, e porque vou sentir saudades, porque te ter aqui pertinho foi como uma poesia, como uma música bonita nos fones de ouvido enquanto os olhos degustam um pôr-do-sol. Sua chegada foi uma bagunça ritmada, um vento gostoso que acaricia e arrepia toda a pele, eu quis muito dizer que não, que não te deixaria entrar e tudo que eu consegui foi me perder dentro dos seus olhos fugitivos.
Claro que eu queria que fosse diferente, que tivéssemos nos encontrado em outro momento, que eu tivesse um coração menos machucado, que eu não sentisse tão profundamente todas as minhas cicatrizes, e queria pensar diferente mas eu realmente acho que foi melhor você não ter conhecido mais profundamente todo o meu caos. Eu sou poço fundo, linda, fundo demais e estar contigo era como flutuar para além das nuvens desse céu acinzentado.
Busca teus pedaços partidos e perdidos, se refaz, se faz inteira pra si mesma, pra que teu sorriso te encante como encantou a mim, porque você se encantaria se pudesse enxergar tudo que eu enxergo quando olho pra você, é carinho pra alma.
Ainda escrevendo, muita coisa me vem a cabeça mas não consigo organizá-las aqui, é como se pela primeira vez a ausência de palavras e explicações fizessem um sentido único, e eu não paro de pensar que "tudo bem, vai ficar tudo bem".
Existe dor, sim, existe. Mas não é você que a traz, são minhas lembranças facilmente ativadas, são minhas feridas e as tantas despedidas que já fiz nessa vida. São as inseguranças e o medo de errar, de falhar, de estar mutilada, medo da minha própria cabeça, da minha inconstância, é dor de fechar mais um ciclo, de deixar dissolver sem prender nada. Aí dói, mas logo logo sara, porque dessa vez eu quero olhar a cicatriz, daqui um tempo, e pensar: essa aqui foi uma história bonita, ao lado de uma garota que brilha em furta cor, foi repouso pros meus olhos e pés cansados em meados do inverno de dois mil e dezesseis.
quinta-feira, 7 de julho de 2016
Tinta sobre ferrugem
Quando seu coração se desmanchou e escorreu como suor por todo seu corpo eu me fiz tecido permeável pra te acolher e te mostrar que se desmanchar, as vezes, é se refazer.
A verdade é que parte de mim se perdeu em você, minhas células confusas migraram pra sua corrente sanguínea e me vejo fluindo por suas veias enquanto mantenho meu solilóquio.
Há pouco pra se entender quando um corpo é capaz de unir as partes fragmentadas de um outro corpo: não é poesia, é organicidade.
Te embalo ainda nos meus braços num intuito metafísico de embalar a mim mesma. Eu chorei contigo o perdão que não dei a mim mesma dez anos atrás e senti o gosto do seu medo como nunca pude sentir o meu.
Eu sei que dói, dói absolutamente tudo, rasga a alma ao meio, e eu não esqueço suas mãos coladas ao peito como quem tenta conter a hemorragia.
É isso, pequena, sensibilidade é hemorrágica, e só o tempo te ensina a manter o fluxo e a respiração.
Eu me sinto desgastada por mim mesma, corroída pelo tempo e pela exposição, mas faço de mim barragem, e sinto que me rompi ao tentar conter suas águas turvas.
Estou inundada, de mim, de você, do caos de nossas mentes.
Eu sou ferrugem e você tinha fresca.
quinta-feira, 30 de junho de 2016
Reticendo
terça-feira, 28 de junho de 2016
Velharia
Já não sei onde tudo em mim começa ou termina, e aqui a linearidade assusta, comove e é quase claustrofóbica. Faço um esforço danado pra não acumular e limpo tudo com uma frequência inacreditável, mas a verdade é que está tudo em ebulição constante e eu não sou forte como meu andar duro diz que sou. Meus olhos denunciam a fragilidade de quem juntou os cacos estilhaçados no chão da sala.
Eu queria ter te falado, baixinho e bem expressado, que eu só precisava ir pra casa, deitar a cabeça no travesseiro e deixar a confusão de hoje escorrer pra debaixo da cama. ( Quem sabe, num surto benevolente do universo poder cair em teus braços)
Nada consegui dizer, mal acenei com a cabeça quando você perguntou se eu estava bem, mal disfarcei o olhar perdido e as mãos agitadas. Eu queria ter ficado na inebriação do teu cheiro, eu queria ter sorrido ao ver você angariar vôo, desejando que seja doce.
terça-feira, 21 de junho de 2016
Condicional
Hoje, ergo-me mais que o necessário para apenas caminhar, deparo-me com belos sorrisos, boas histórias e lindas garotas desfeitas e refeitas.
Eu sei que machuquei algumas garotas pelo caminho, que eu não soube ser doce e sensível como eu disse que seria, eu sei que sou um emaranhado, que confundo minhas dores com meus amores.
Se eu pudesse, eu seria seu porto-seguro, seu afago, seu amparo pras quedas que ainda virão. Mas a verdade é que eu não posso ser isso sem que eu fique seca depois. Me disseram que o amor nos rouba a concretude das boas coisas, das boas vindas, dos bons ventos.
Eu rasgo minha superfície para expurgar o sentimentalismo, eu tenho longos orgasmos para que os músculos contraídos me renovem a força da alma, eu intoxico meu organismo com quatro combinações alopáticas para frear os delírios, e os delírios eu compro líquido em papel colorido.
segunda-feira, 13 de junho de 2016
Retrovisar
terça-feira, 7 de junho de 2016
reflexões de uma terça cinza
O tempo se estende essa hora da manhã, se alonga a cada pensamento que se fixa por aqui, ainda não é hora das obsessões. Ela me disse sem pestanejar "você me disse que está obcecada, querida", eu bati o pé num 'não' absoluto, chorei calada, no telefone não se pode ver as lágrimas, e a respiração descompensada a gente disfarça, prende, até que falte o ar e a razão.
Ainda me pergunto como é possível se apaixonar no inverno em são paulo, como os olhos podem brilhar quando tudo é cinza e a chuva forte e gélida ao invés de regar as plantinhas as derruba, as destrói?
Como olhar fundo nos olhos de uma garota, pegar as mãos delas devagar, sentir cada pedacinho daquele reconhecimento tão íntimo e único, enquanto tudo a sua volta é mensagem constante de que você é odiada, de que está em risco iminente por isso? Nesses momentos, onde só se quer um pouco de sossego, assim, simples e orgânico, não me parece mais revolucionário, me toca por todos os lados e eu só consigo me sentir violentada.
Nossos corpos lésbicos são templos sagrados, e quando eles se unem há profusão: é cheiro que inebria, suor que embebeda, olhos que te engolem, o descompasso que se alinha, é canção não ensaiada, e é tudo poeticamente sólido e sinestésico.
Às vezes eu só preciso parar e pairar num olhar, boiar num oceano de águas desconhecidas, sem medo de deixar o corpo todo arrepiar, de desnudar-se mesmo coberta dos pés a cabeça, e deixar molhar: os olhos, os lábios, as mãos e entre as pernas, que é correnteza e eu escorro.
segunda-feira, 6 de junho de 2016
Olhos de fita
Dancei com o desconforto, com o magnetismo dos teus olhos, pequenos olhos, muito olhar.
Nada começa nem termina ali, o que te faz imensa é esse frescor dos pés ainda não maltratados, do sorriso que vem sem pedir licença, coisa de quem ainda não foi corroída pelo tempo.
E em meio essa corrosão que me envolve, como não ter medo de corroer, pétala por pétala, o canteiro florido que se esconde por de trás dos teus olhos tímidos?
domingo, 22 de maio de 2016
Toda vez que você diz que eu não deveria estar vendo gravações antigas, lendo cartas que trocamos, vendo fotos nossas, toda vez que não entrar em contato com esse passado se torna salvação eu sinto que morre um pouco de mim.
E você fala tanto sobre não ser mais o que se foi que eu não me sinto menos do que um tecido em lenta decomposição.
Isso é lixo, é podridão.
domingo, 8 de maio de 2016
Os minutos
Tenho dez minutos pra expurgar essa inconstância, dez minutos que logo se fazem nove pra sentir essa avalanche e deixar que me abandone.
Daqui oito minutos tenho que voltar ao trabalho; semblante firme, corpo ereto, sorriso no rosto e nenhum vestígio das mazelas da mente.
Tudo aqui me lembra você e você é grande, preenche todos os espaços, me deixa sem ar.
Teu percurso, meu resguardo, tudo escancarado, nada nos pertence, é tudo do mundo inteiro e eu pela metade, fracionada peço para que o relógio digital estacione, nada se faz real na eloquência do meu discurso vazio, ele não para, os trens não param, as pessoas não param e eu sou arrastada de lá pra cá.
Quatro curtos minutos; meus braços doem, meus olhos querem descansar, meu coração se desfaz como papel e água, vira pó.
Três, dois minutos e eu me recomponho, guardo a saudade, troco essa postura de quem pede socorro por uma de quem socorre, eu ando rápido, não corro.
Quinze horas, o pôr do sol esta a caminho e o domingo te levando de mim, me levando de mim, pra te encontrar na não matéria.
sexta-feira, 6 de maio de 2016
Silêncio
Nunca soube lidar com o silêncio e ele tem sido constante por aqui. De repente, ainda carregando os vestígios dos sons, das músicas, das risadas, das conversas calorosas, assim, como quem nem veio pra ficar ele se estabelece como se nada antes tivesse existido, faz morada. Ouço os ecos e por vezes me confundo sobre a realidade, sobre o que realmente ouvi e se realmente ouvi.
Ante a essa ausência, esse vazio, eu já me descabelei noutros tempos, eram raros os momentos calados e quando vinham, eu gritava.
Hoje, falo baixo, uma, duas, três vezes, se não obtenho resposta mantenho-me no espaço desse silêncio, me coloco no centro, deixo doer até que eu já não me sinta ferida por ele, e aí então posso dormir, no conforto ambíguo que me abriga o abraço gélido do vácuo.
quinta-feira, 5 de maio de 2016
Revolucionário prazer lésbico
o calor da tua pele
E o suor que escorre colado,
a saliva adocicada
o corpo todo úmido.
Os feixes de luz delineiam suas curvas
e meus olhos se perdem no mergulho,
somos águas profundas!
Desaguo,
escorro por entre as pernas,
as minhas entre e tão dentro das tuas.
Percorro o silêncio dos olhos que gritam,
e suas unhas cravadas nas minhas costas largas
me pedem por mais:
Mais fundo, mais forte, mais perto
Por hora, já não sinto o gosto amargo
de um corpo violado
Perco-me na inebriação dos seus fluidos
(Fluidifico-me)
Ressignifico minha existência lambendo toda a sua extensão
Suas cicatrizes, suas marcas, seus pelos, seus dedos
Me agarro em teus cabelos,
Me agarro a sensação revolucionária que é gozar ao som dos gemidos de outra lesbiana.
E então eu grito, eu berro, eu choro,
No ato desesperado de expurgar a imundice que me impregna
viver no mundo dos homens.
Adeus, Cecília.
Em cresci lá, nas palmeiras
Cecília, minha mãe e minha filha
Meu esconderijo, meu abrigo
Estive intacta na barra de sua saia
Aqui o tempo não me espera
Ele passa correndo por mim, me leva
O vento é de bagunçar os cabelos que não tenho.
O sol escalda e me envelhece.
Aos vinte e cinco recomeço no princípio
Esse que era o caminho que casa
Casa que não é lá nem cá.
Natural que estejamos confusas:
Eu, minhas pernas, minhas lágrimas, minhas fantasias, minha saudade.
Tudo tão meu e que órbita tão fora do meu alcance.
Sua pequenez, Cecília, era meu afago
O mundo aqui é alto demais, denso demais, largo demais, populoso demais pro meu coração solitário.
Eu ponho o cadeado no armário que nunca tranquei, e no caminho reverso, abro minha alma pro desconhecido que eu sempre odiei.
terça-feira, 3 de maio de 2016
segunda-feira, 2 de maio de 2016
Eu te pedi pra ficar em mim mais de uma vez. Te pedi enquanto dançávamos rindo ou lenta e carinhosamente. Te olhei nos olhos enquanto fazíamos amor e te pedi pra entrar, fazer morada e me deixar ser parte do que eu chamo de casa.
Você entrou e derrubou tudo que eu demorei anos pra reorganizar, chutou a porta, desregulou o pulsar de todas as coisas, o ritmo milimetricamente reajustado pra que doesse menos, cada vez menos.
Não queria escrever mais nada que me remetesse a você, foi então que percebi que falo de mim e não de você.
Estou arrumando a bagunça devagar, ainda sinto raiva na reconstrução, ainda me culpo quando vejo o estrago, eu sou tão sensível que te quis como meu amor mesmo depois de ter tanto medo de amar.
Não quero falar seu nome, sinto raiva, sinto angústia e por vezes nada sinto. Esse nada é que me confunde, me maltrata e retarda que possa ver de perto até onde você me perfurou.
Eu sei que hoje eu sofro o que você não sofre, me doem as pernas, a cabeça e a alma. Mas eu estou tocando na ferida, limpando-a e fazendo curativos diários. As vezes bato nela sem querer, dói mais um pouquinho e logo volta a se regenerar lentamente. Você não está nem olhando sua ferida, está evitando-a enquanto ela não te arde dos pés ao pescoço (a cabeça eu sei que já dói). Mas um dia, meu bem, quando eu me curar ela não me pegará mais, olharei para uma cicatriz sobre a pele e sentirei alívio, talvez eu nem pense em olha-la pois terá realmente passado.
Eu e você passaremos em mim e em você a dor será sentida quando não houver mais como recuperar os tecidos, os músculos, os ossos, te restará amputar a sangue frio, seja na primavera ou no inverno, no inferno.
terça-feira, 26 de abril de 2016
As reticências que são um ponto final
Mas ao mesmo tempo eu não quero ser isso na sua vida, eu te amo demais pra ser opção de uma escolha tão dolorosa e amarga. Não acredito mais em nós, não acredito mais que temos um 'alguma coisa' que transcende ou que é melhor do que outros 'algumas coisas', mas eu queria acreditar e essa angustia de viver entre o que eu ainda tenho de nós e o que eu perdi pelo caminho é algo que eu não quero mais.
Fui embora fugida, não aguentava mais fixar meu olhar no teu enquanto você me dizia o quanto está desesperada pra ficar com outra pessoa, o quanto não quer que essa pessoa vá embora ( mesmo sabendo o mal que essa relação causa pra ambos) mesmo que isso signifique que eu vá, ainda que eu já esteja tão fora e anulada da sua vida. Você me remeteu a mim mesma implorando pra você me deixar ficar, jogada no chão, desamparada, com todas as minhas feridas abertas, agarradas aos teus pés enquanto nada te comovia. Sinto dor quando lembro de mim naquela situação ( ainda que ela seja em parte metafórica), sinto dor de vê-la nessa, tão parecida, situação. Não posso admitir que fique nas mãos de uma pessoa que mal conhecemos a decisão sobre o que fazer com a vivência e o sentimento mais bonito e profundo que já experimentei, não admito fazer isso com a garota tão viva de 17 anos e cabelos laranja que se apaixonou num parque verde, não posso deixar que a coragem da quase mulher de 21 que se casou, vestiu-se de um branco meio bege, fez de uma casa um lar mesmo tão nova, tão boba, tão cheia de dores, seja tão descartável. Não posso deixar que a minha história seja envolvida numa atmosfera tão doentia e violenta. A escolha vai ser minha, mais uma vez.
Imagino hoje, com um pouco mais de precisão a dor que deve ter sido pra você perder, de quando em quando, o contato com sua mãe, não saber se está viva e sempre dormir e acorda esperando as piores notícias. Eu fico assim hoje. Fico na esperança, doce e crua esperança de que você está bem em algum lugar, ainda que não atenda minhas ligações, que não responda minhas mensagens, que não vá trabalhar, ainda que meu coração esteja tão apertado. Isso não é uma brincadeira, isso é real. Isso que é tão nebuloso pra mim, que me amedronta, que me tira noites de sono, que me tira as lágrimas mais cortantes, isso que é ver o meu amor escorrer pelo ralo.
Eu preciso ir embora de você, preciso que você vá embora de mim. E isso vai muito além de físico, de não ter contato, de sumir. Eu preciso parar com isso, aceitar suas escolhas sem me colocar a mercê delas, aceitar a raiva que eu sinto por suas escolhas, aceitar a magoa que está me definhando por dentro, aceitar que você está sendo negligente e egoísta com esse amor, com esse companheirismo, com essa casa que construímos tão duramente. Aceitar sua agência nisso tudo. Aceitar que apesar de toda confusão, de toda "doença", de todos os pormenores, você está sim escolhendo me tratar tão mal.
Baseei durante muito tempo o meu valor naquilo que você faz e acha de mim, é difícil não me achar um lixo, não me achar sem importância, ainda é muito difícil reconstruir isso, mas eu vou. ( Sempre digo que vou)Me dá um medo ver o tempo passando, as memórias se esvaindo, virando pó, esse pó que você não vai cheirar, e que eu não vou jogar na privada e dar descarga, esse pó se vai com a ventania que recebe maio. E eu recebo tão mal essa frente fria, a temperatura que só cai e meu coração que amolece, meus dedos que não acompanham no teclado a velocidade do pensamento. Você diz que há uma pureza em mim resultado dessa honestidade que me persegue, essa lealdade aos meus princípios, deve ser coisa desses meus tantos capricórnios no mapa. Mas a verdade é que eu sou apegada e obcecada, eu me mantenho fixada aos meus planos e tudo passa, todo mundo passa e eu fico lá. Fiquei em nós, fiquei na sala, deitada no tapete peludo, olhando a parede mal pintada : meio verde, meio laranja. Tava tudo errado ali e ao mesmo tempo tão aconchegante. Me vejo ali, contemplativa enquanto os móveis vão saindo, enquanto tudo vai se esvaziando, as roupas vão embora, as cadeiras,os bichinhos, as comidas, o amor...Só ficamos eu, o tapete e a parede mal pintada.
Ainda penso no bebê que não tivemos, essa parte dói muito, meu amor. Choro quando lembro que ele não foi bem vindo entre nós e ao mesmo tempo eu agradeço por você não ter deixado ele ter vindo sem ser completamente querido, que não tenha deixado minha barriga crescer, mês a mês, semana a semana sem confiança, sem certeza.
Estou aqui, longe, falando um monte de coisas, misturando as memórias, as histórias, misturando eu e você.
terça-feira, 19 de abril de 2016
Fiquei na delicadeza dos seu olhar firme, talvez até fixado.
Mantenho-me na colisão de nossas incertezas. É incrível perceber que a dor não se estendeu entre nós, que a cama e o colo foram mansidão e calmaria, mesmo com nossas feridas assim, tão expostas.
Eu estive pontualmente feliz ao seu lado, embaixo de você, em cima também, entrelaçada, confundida no teu suor. Insisto em falar sobre o tempo, que se fez tão diferente. Não quero saber das horas, querida, elas me acordam, me recordam e ecoam dentro de mim com seu tiquetaquear incômodo.
Olho para trás, e apesar de ainda estar tão aqui já te enxergo indo, não te peço pra ficar, só peço para que não fique em canto algum se não for certo seu querer. Eu sou uma mistura hegemônica de contemplação e angústia, pra caminhar ao meu lado há de se ter, ao menos, uma boa dose de resiliência.
Para além das palavras difíceis e bem articuladas, preciso te contar sobre o encantamento que me trouxe a simplicidade dos seus sentidos e da melancolia tão presente que eu aprendi a ninar. Você, pequena, é grandiosa e não se calcula seu início e seu fim.
Me vi reconhecida nesse meio que se estendeu por nós, por minhas veias, por seus pés sem meias, por minhas manias de banho, por seu cigarro e sua fumaça que se dissiparam na janela do meu quarto, por sua saliva escorrendo por meus lábios, e o pulsar de nossos corpos em fusão: lubrificados, cansados das mazelas do mundo e tão dispostos a acariciar um o outro. E eu te acariciei como quem descobre desenhos nas nuvens de um céu azul turquesa, senti tuas marcas em auto relevo, revelando pouco a pouco o aconchego que me causa seus pés apoiados nos meus embaixo do edredom, e o ressonar tranquilo e surpreendente de quem já se familiariza com um mundo tão tão novo.
Não te reconheci dessa vez, eu diria que foi a primeira mas pensando bem eu acho que não foi. Houve um tempo em que forcei o reconhecimento, tempo breve, que deixei no esquecimento mas que talvez hoje me faria menos desconexa.
Olhei algumas fotos suas, procurei algo que me reconectasse, me angústia esse caminho do desligamento, você indo, indo, indo embora cada vez mais, se dissipando no ar como uma tempestade de poeira que agora se acalma.
Down, down, down ...
Numa dessas fotografias só consegui ver uma de suas mãos, a esquerda, acredito eu. As pontas dos dedos gordinhas, as unhas curtas, o dedinho um pouco mais levantado que os outros dedos, a textura macia e firme que ainda sinto acariciando minha pele. Ainda consegui identificar a blusa verde de lã que compramos juntas, eu queria que você ficasse quentinha, aconchegada, aninhada, sempre quis assim.
Não te tenho minimamente ao meu alcance, a não ser nas minhas memórias que hoje são tão falhas. Você voou, como sempre disse que faria, escorreu por entre meus dedos, solidificou aquele dito popular que nos diz para não apertar passarinho na mão. Não estrangulei, não matei, mas te soltei machucada, de asas quebradas achando que isso era amor.
Hoje os dias se enumeram aos cinqüenta, é essa meia centena que me lateja nas veias, essa é nossa primeira vez, pitê, primeira meia centena de vinte e quatro horas sem nenhuma interação.
Se eu tenho medo? Eu tenho medo do inverno, eu tenho medo do frio, esse gelado que dói na alma e que você aquecia com tanto vigor. As meias felpudas coloridas, o chá quentinho, o abraço que nos transportava desse mundo, o moletom cinza e a certeza imatura de segurança.
Eu sinto muito medo do frio, das chuvas gélidas e finas, eu sinto medo da madrugada que deixa a ponta do nariz quase roxa, eu sinto medo de passar pelo inverno sem você.
Depois vem a primavera, e apesar da dor de completar os vinte e seis sem suas previsões astrológicas, sem suas palavras bonitas desenhadas num papel rascunho, acordar no dia vinte e sete da setembro com alguma surpresa já manjada logo cedo, apesar de toda essa dor na primavera eu vejo flores por onde passo e elas me encantam, me refrescam a alma. Aí eu choro. Talvez eu chore em todas as estações do ano, mas no inverno, meu amor, eu choro sangue.